quinta-feira, 3 de maio de 2012

Cinema Verite [2011]


(de Shari Springer Berman e Robert Pulcini. Idem, EUA, 2011) Com Tim Robbins, Diane Lane, Willam Belli, Thomas Dekker, Patrick Fugit, James Gandolfini. Cotação: ****

O chamado Cinema Verité (ou “cinema verdade”) sempre foi algo que atraiu muitos produtores. Mas no início dos anos 70, no pré-estabelecimento da televisão aberta numa sociedade cada vez mais consumista, unir esse conceito à televisão poderia não só ser um sucesso estrondoso, como também culminaria em uma nova categoria de programas televisivos: o reality show. Isso aconteceu na rede de televisão PBS com a família Loud. Um verdadeiro fenômeno repercutiu e levantou questões  que perduram até hoje. Até onde vão os limites da privacidade? O que nos diz respeito a vida alheia, e por que ela é tão levada ao centro da conversa? Deveríamos acreditar num “show de realidade”? 

“Cinema Verite” é mais do que um filme que apresenta essas questões da forma mais didática possível, mas é também uma grande dramatização da gênese do tal reality show, que tanta gente se diz entendido, mas que não sabe da missa a metade.

Em 1971, o produtor Craig Gilbert (James Gandolfini) busca uma típica família americana para ir adiante com a sua idéia de filmar o cotidiano dos seus integrantes, com o auxílio de uma câmera e ver qual o efeito que isso se dá nos espectadores, levando em consideração algumas experiências feitas para estudos de sociedades desconhecidas nos anos 20. Ele encontra os Louds, uma família emergente de Sta. Barbara, Califórnia, liderada pela interessante Pat (Diane Lane) e seu marido Bill Loud (Tim Robbins). A casa ainda conta com cinco filhos. Dois deles na insistência de montar uma banda de rock, duas garotas adolescentes, e Lance (Thomas Dekker), o mais controverso, que acaba de se mudar para Nova York. O dia-a-dia dos Louds deu origem a um programa de TV, que foi exibido em 12 episódios pela rede PBS em 1973, dois anos depois de uma verdadeira crise instalada entre eles, que ficou de portas abertas para o conhecimento público. 

Nesse caso real (a verdadeira família Loud chega a ser apresentada no final do filme) acendeu uma grande confusão já na sua época, sobre o olhar que os próprios americanos estavam se dando, ilustrado por aquela família que, entre outras coisas, foi acusada de ser exibicionista, desestruturada e oportunista. Craig Gilbert, que afundou sua carreira nesse projeto, poderia até ter uma idéia interessante, e escolheu uma família certeira para isso. Aparentemente sem nenhum problema, a família Loud, de cara, já possui algumas rachaduras em seu teto de vidro. Bill, o patriarca, demonstra não ser um marido fiel, e Lance, o filho mais velho, saiu da casa dos pais para extravasar sua liberdade sexual, sendo ele gay e desentendido em casa. Daí, já se vê um prato cheio para os burburinhos da população que assiste, atônita, a degradação da família vendida pelo american way of life.

Mas o que é preciso para que o programa aconteça? Afinal, esses problemas ficavam ali, sob a cegueira conveniente de Pat, sem que venham à tona. Daí que entra a intervenção de Gilbert, para que os problemas apareçam. É preciso ultrapassar os limites da intromissão e intervir diretamente no seu próprio produto. Essa é a tal da manipulação nos “shows de realidade” para que os fatos sejam inflamados. Essa intervenção do produtor/diretor e a edição muitas vezes inescrupulosa, hoje em dia, são usadas por muitas pessoas ao seu favor (é só ver exemplos das várias edições do Big Brother e afins), mas no contexto da família Loud, o que aconteceu foi uma ingenuidade extrema. A família não sabia se estava preparada para tamanha exposição. Quando se trata de tudo o que envolve figura pública, estar em evidência é estar exposto à qualquer coisa. 

“Cinema Veríté” é um bom filme justamente por encandear essas questões de forma muito bem realizada, contando com um elenco afiadíssimo, que conta com Tim Robbins (“Sobre Meninos e Lobos”), Diane Lane (“Infidelidade”) e James Gandolfini (“Os Sopranos”).  Trata-se de mais uma produção HBO, que faz questão de nos lembrar que não estamos vendo televisão, mas uma obra que se encaixa muito bem no poder qualitativo de uma obra para o cinema. E vos digo: o filme não deve em nada às produções de cinema, pois é super ágil, funciona maravilhosamente bem, tem toda uma aura setentista com sua direção de arte impecável ao som de “Little Dream of Me” de The Mamas and the Papas. Demorei pra conferir este filme que fincou três indicações no último Globo de Ouro, e revela um retrato triste de uma família que, apesar da ingenuidade, foi muito corajosa.

2 comentários:

  1. Já tinha ouvido falar nesse filme, mas ainda não conferi. Fiquei interessado pelo seu texto. Os nomes me agradam. Abração!

    ResponderExcluir
  2. Interssantíssimo! Vou correr e procurar o filme, que não conhecia. Belo texto!

    ResponderExcluir