sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O Cheiro do Ralo [2006]


(de Heitor Dhalia. Idem, Brasil, 2006) Com Selton Mello, Paula Brown, Lourenço Mutarelli, Sílvia Lourenço, Fabiana Guglielmetti, Lorena Lobato, Xico Sá, Susana Alves. Cotação: **

Filmes que obtiveram grandes recomendações da crítica, sendo bem recebidos em festivais nacionais e internacionais devem ser visto com certo cuidado. Não há garantias de algo brilhante, nunca antes visto. "O Cheiro do Ralo" teve a proeza de ganhar prêmios de júri em grandes festivais como o de São Paulo e Rio de Janeiro, e ser nosso representante no disputado Festival de Sundance. É também apenas o segundo trabalho do competente Heitor Dhalia após o também supervalorizado "Nina", de 2004.

Aqui, Dhalia adapta juntamente com Marçal Aquino, o romance homônimo do escritor e quadrinista brasileiro Lourenço Mutarelli, na qual um homem decadente, também chamado Lourenço (Selton Mello), trabalha em um galpão comprando objetos usados de pessoas que se encontram em dificuldades financeiras. Se aproveitando da situação vulnerável dessas pessoas, Lourenço compensa sua vida crua na falsa impressão de que tudo é objeto, portanto, possui seu preço, inclusive a bunda da garçonete do local onde ele almoça - que para ele, não é só um objeto de consumo, mas que deve ser comprado pelo valor que ele achar que deve. Sempre incomodado pelo cheiro fétido do ralo que vem de seu banheiro, ele surta após buscar causalidades no ralo, a bunda da garçonete e um olho de vidro.

A idéia já é ousada. E transportá-la para o cinema é de uma ousadia maior ainda. Com dificuldades de encontrar empresas dispostas a associarem suas marcas com um filme com esse título, os produtores – inclusive o próprio Selton Mello - praticamente tiveram que bancar todo o projeto. O livro de Lourenço Mutarelli é por si só cinematográfico, não cabendo muito trabalho criativo para os idealizadores em relação à adaptação. O que há de melhor, certamente, é o trabalho de direção de arte e fotografia, com suas cores terrosas e uma ambientação que chega a nos dar a sensação incômoda do cheiro do ralo, aliada também está uma trilha sonora bacanuda e envolvente.

Selton Mello comprova mais uma vez se tratar do melhor ator de sua geração. É curioso comprovar que, mesmo com seus maneirismos tão característicos, ele consegue montar um personagem único. Não só nesse caso, mas Selton é um verdadeiro ator camaleônico, sempre envolvido em projetos interessantes, com poucas bombas no currículo (ninguém é perfeito). Seu personagem é de uma inescrupulosidade tamanha. Não tem um mínimo de humanidade, chegando a comprar a visão do corpo subnutrido de uma viciada e desmanchar um noivado com “os convites já na gráfica” justificando com um simples “eu não gosto de você, eu não gosto de ninguém.”, alem de tratar as pessoas que recorrem a ele em um momento de dificuldade financeira com o maior desdém. O cheiro do ralo, numa interpretação particular, representa a situação de vida que se encontra Lourenço. Ele se isenta da culpa do mau cheiro, quando na verdade se ele é o usuário exclusivo do banheiro que fede, logo, o cheiro é unicamente dele, como diz certo personagem.

A ambição do projeto é o que torna tudo muito decepcionante. A história do homem aflito pelo cheiro do ralo que se apaixona por uma bunda não é algo tão inteligente a ponto de alçá-lo como um cult de nosso país. Nem mesmo transformá-lo em um filme com inúmeras cenas bizarras e passagens de personagens medonhos fazem dele algo de grande importância no cinema brasileiro. Dado o devido crédito ao trabalho visual de "O Cheiro do Ralo", o que sobra é uma pretensão exacerbada que poderia ser vista em qualquer estudante entusiasmado de cinema, que sonha (e por vezes consegue) ter projeção em festivais afora. É um filme que poderia certamente passar batido se não fosse o nome de Dhalia nos créditos e uma atuação digna de Selton Mello.

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