sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Assassinos Por Natureza [1994]


(de Oliver Stone. Natural Born Killers, EUA, 1994) Com Woody Harrelson, Juliette Lewis, Tom Sizemore, Rodney Dangerfield, Robert Downey Jr., Tommy Lee Jones. Cotação: **

"Sempre pensei que o cinema foi inventado para mostrar gente se matando e se beijando."

Certa vez, Quentin Tarantino disse essa frase acima. “Assassinos Por Natureza” é o filme que talvez traduza bem essa frase, porém, o filme que, apesar de ter o roteiro assinado pelo cultuado diretor, foi quase que completamente distorcido por Oliver Stone, outro diretor que contém uma maneira bem própria de trabalhar, que não vai muito ao encontro de Tarantino. O resultado é decepcionante, mas por conta da oportunidade perdida de ter uma discussão mais interessante e desenvolvimento de personagens (essa última possibilidade é até conquistada dependendo dos exemplos). O filme não contém os diálogos espirituosos de Tarantino (acredito que por conta das retalhadas de Stone) e, mesmo que seja diretamente ligado à filmografia dele, “Assassinos Por Natureza” pouco tem de "tarantinesco".

Mickey Knox (Woody Harrelson) e Mallory (Juliette Lewis) formam um casal nada ortodoxo. Quando se conheceram, Mallory tinha tudo para querer fugir, por ser constantemente abusada sexualmente pelo pai (ou é padrasto, se não me engana a memória). Preso pelo roubo de um carro, Mickey consegue fugir da prisão e levar embora a sua amada, que se livra de uma vez por todas de seus pais. Num trajeto sem rumo, eles acabam se tornando violentos assassinos, que realizam verdadeiras chacinas, sempre deixando um único sobrevivente para contar a história. O sucesso da dupla é tamanho que eles acabam sendo chamados de os “seriais killers da vez”, e seguem em sua busca o detetive Jack Scagnetti (Tom Sizemore) e o repórter midiático Wayne Gale (Robert Downey Jr.).

Mais uma vez alertando os possíveis fãs de Tarantino, e principalmente, os desavisados que acham que o filme seja dele, “Assassinos Por Natureza” está longe de ter “a cara” de Tarantino, a não ser por conta de algumas cenas que investem no humor nosense e nas notáveis homenagens. Do contrário, o filme é genuinamente de Stone, um diretor que gosta de se reinventar através de uma bagunça visual. O filme, de tão estranho, chega a ser bizarro e amador demais, parecendo um grande videoclipe até o seu terceiro ato. Não sei ao certo até que ponto o roteiro de Tarantino foi mantido, mas diria que boas discussões surgem no decorrer do filme. Dentre elas, as duas principais são:
- Nascemos realmente maus? Ou aprendemos a ser ao longo da vida?
- De onde vem a fascinação das pessoas pelos seriais killers?

A primeira deixa de ser uma questão relevante na história e acaba sendo deixada de lado para dar lugar à outra. Esta sim, bem melhor desenvolvida. O personagem de Robert Downey Jr. (excelente) foca bem isto. Querendo uma entrevista nos moldes da que Geraldo Rivera fez com Charles Manson no final dos anos 80, o repórter deixa de ser simplesmente uma caricatura para ser a grande figura do filme. Não posso dizer o mesmo de Tommy Lee Jones, horrível e exagerado em sua composição. Enquanto o casal protagonista dá um show de interpretação, principalmente a inquieta Juliette Lewis, tão bela quanto atrevida.

Se utilizando de inúmeras técnicas (uma das mais inspiradas foi à utilização da linguagem de um sitcom absurdo para mostrar como Mickey e Mallory se conheceram), Oliver Stone dá o seu tom para o filme. Mais tarde, arrependeu-se de momentos vergonhosos do longa, e pelo menos teve a humildade de reconhecer isso. É uma pena que não foi possível ver qual era o espírito que Tarantino queria dar ao roteiro, ou até mesmo se o existente é, de fato, o que ele queria (o que eu duvido muito e até ele nega). “Assassinos Por Natureza” acaba sendo um filme com uma violência barata, sabotada e, infelizmente, demorada a se estabelecer como algo interessante.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Gente Como a Gente [1980]


(de Robert Redford. Ordinary People, EUA, 1980) Com Donald Sutherland, Mary Tyler Moore, Judd Hirsch, Timothy Hutton, Elizabeth McGovern, M. Emmet Walsh. Cotação: ***


Este filme ficou marcado na história como uma das maiores escorregadas do Oscar do ano de 1981. Tudo isso porque ele ganhou o maior prêmio da noite, quando dentre os indicados, estavam filmes graúdos de Martin Scorsese (“Touro Indomável”), David Lynch (“O Homem Elefante”) e Roman Polanski (“Tess”), além do filme “O Destino Mudou Sua Vida”. Todos, em minha opinião, superiores. Mas por outro lado, ser marcado por esse “ato falho” do Oscar, não o torna desprezível. “Gente Como a Gente”, apesar de ter uma ambientação arrastada em boa parte do tempo e da sensibilidade que demora em convencer, é um filme que, terminadas as duas horas de duração, acaba resultando em um filme realmente comovente.

Conrad Jarrett (Hutton) é um jovem extremamente amargurado. Após quatro meses internado num hospital depois de uma tentativa de suicídio, ele tenta recuperar sua vida social. Mas o incômodo maior está instalado em sua casa, onde seus pais, Calvin (Sutherland) e Beth (Moore), não discutem uma experiência altamente traumática. Seu irmão mais velho morreu vítima de um acidente de barco, e ele convive com a culpa de não poder salvá-lo. Essa culpa que o fez cortar os pulsos, e com isso, sabe que jamais vai ser perdoado. Apesar da relutância inicial, ele decide procurar ajuda psiquiátrica, para ao menos buscar respostas para seu comportamento depressivo. Mas sua mãe continua negando as conseqüências da tragédia e faz o que pode para manter as aparências.

Eu acho que a melhor coisa de “Gente Como a Gente”, reside no processo de “cura” da família, principalmente na figura de Conrad. Durante todo o filme, vemos que sua única confidente é uma moça com quem ele esteve junto durante sua internação. A situação na sua casa não poderia estar mais estranha. Apesar do apoio incondicional de seu pai, é com sua mãe que ele não encontra um elo de proximidade. Não há abraços, e não há chances de não se sentir com o peso da culpa pela morte do irmão, quando é visível o olhar de estranheza por parte de sua mãe, além de ter guardado na memória as lembranças de que seu irmão era o filho preferido dela. Como num bom drama familiar (que eu adoro), as explosões ocorrem, porém, tardiamente. A preocupação da história é preparar terreno e mostrar o trajeto de aproximação de uma família tão fria como esta.

O roteiro é escrito por Alvin Sargent, a partir da novela de Judith Guest. Alvin é um dos roteiristas mais ecléticos que eu conheço. Escreveu, por exemplo, "Homem-Aranha 2", "Em Qualquer Outro Lugar" (um road movie pouco conhecido que eu adoro, com Susan Sarandon e Natalie Portman fazendo mãe e filha), “Infidelidade”, “Júlia” e “Lua de Papel”. Estes dois últimos lhe renderam Oscar de roteiro em 77 e 73, respectivamente. “Gente Como a Gente” também se trata da estréia de Robert Redford na direção. Por sinal, Redford, mesmo hoje, não é considerado um verdadeiro mestre do cinema, embora seja respeitado no meio e prestigiado por conta do Sundance Institute, um organização que ajuda novos talentos do cinema, que é criação sua.

Além de Melhor Filme e Diretor, “Gente Como a Gente” ainda ganhou Oscar de Melhor Ator Coadjuvante para Timothy Hutton (de fato, ele está muito bem no filme, o único que valha em sua carreira), e Roteiro Adaptado, além de indicar outro nome à Ator Coadjuvante (Judd Hirsch) e Atriz Coadjuvante (Mary Tyler Moore).

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Amnésia [2000]


(de Christopher Nolan. Memento, EUA, 2000) Com Guy Pearce, Carrie-Anne Moss, Joe Pantoliano, Mark Boone Junior, Stephen Tobolowsky, Harriet Sansom Harris. Cotação: *****

“Amnésia” é um dos filmes mais inteligentes que eu conheço. Hoje, conhecendo a genialidade de Christopher Nolan (o cara que matutou “A Origem” e levantou a moral de Batman em “Cavaleiro das Trevas”), o filme de 2000 funciona como um salto inicial do inglês que, a partir do conto “Memento Mori”, escrito pelo seu irmão mais novo, Jonathan, ele constrói um roteiro que não se apóia somente na edição excepcional Dody Dorn, que foi indicado ao Oscar de 2001 na categoria, assim como o próprio Nolan, indicado pelo roteiro original (é considerado original porque o conto do seu irmão não havia sido lançado até aquele ano). Perdeu por alguma razão desconhecida para “Assassinato em Gosford Park”, escrito por Julian Fellowes.

Contado de trás para frente, acompanhamos a investigação pessoal de Leonard Shelby (Pearce), que busca vingança ao homem que estuprou e matou sua esposa, além de ter causado um dano cerebral (especificamente no hipocampo), que o faz esquecer-se de acontecimentos recentes. Do dia da tragédia adiante, ele não consegue reter nada na memória. Isso faz com que ele se guie de anotações em bilhetes, polaróides e tatuagens espalhadas por todo seu corpo. Em sua busca, ele conta somente com o conhecido Teddy (Pantoliano) e a garçonete Natalie (Moss), que poderão estar se aproveitando da situação dele.

O protagonista, como ele mesmo já se apresenta, precisa ser extremamente organizado para conseguir conviver com sua condição. Eu mesmo poderia não embarcar nessa proposta. Ora, se ele precisa recorrer às fotos e anotações para se situar na vida que o cerca, como ele poderia lembrar-se de ter essa tarefa de conferir seus lembretes?

É uma pergunta que deve ser obrigatoriamente esclarecida, mas Nolan faz ainda mais. Com uma simples tatuagem na mão escrita “Sammy Jankis”, ou seja, sempre em seu campo de visão, ele poderá lembrar-se de um caso investigado por ele enquanto ainda trabalhava em uma companhia de seguros (afinal, ele consegue lembrar-se de tudo o que aconteceu até a morte de sua esposa). Numa trama paralela e intencionalmente na ordem cronológica tradicional, sabemos quem é o tal Sammy Jankis - ao mesmo tempo em que é respondida a minha pergunta - ou para quem está sendo narrada a história. Outro ponto interessante do roteiro se encontra na explicação das motivações de Leonard em sua caçada. Ele apresenta para um dos personagens a diferença entre memória e fatos, numa explicação que faz todo sentido e vai confirmando ainda mais as intenções de Nolan com o filme.

O fato de ser construído de maneira inversa, ou seja, o filme começa pelo seu final e vai se encaminhando para o início da história (é curioso como o clímax se encontra justamente nisso) não o torna algo quase impossível de ser acompanhado. É diferente no início, mas logo somos habituados com a dinâmica, onde as cenas terminam com o início da cena anterior. É diferente também ter que conferir aos personagens alguma relação, porque somos acostumados a ser apresentados aos personagens com algum histórico. Ali, temos que confiar nas fotografias de Leonard.

Mas nem com tudo isso, o filme, repito, não chega a ser complexo a ponto de não ser apreciado. “Amnésia” é inteligente, mas jamais poderá ser chamado de pedante.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Antes do Amanhecer [1995]


(de Richard Linklater. Before Sunrise, EUA, 1995) Com Ethan Hawke, Julie Delpy. Cotação: ***

Esse filme é a prova de que meu top 100 está ficando ultrapassado, merecendo algumas recolocações ou até mesmo extinguir alguns filmes dali. Nada mais natural, até porque alguns filmes podem ser para nós excelentes muito por conta do momento em que estamos passando quando os assistimos. O fato é que hoje, revendo “Antes do Amanhecer”, o filme já não é essa sutileza toda quando o vi pela primeira vez. O conceito caiu, e não foi pouco. Hoje, talvez eu até arraste uma asa maior por “Antes do Pôr-do-sol”, a seqüência produzida em 2004. O roteiro de Richard Linklater (também diretor) juntamente com Kim Krizan soou mediano demais, embora seja um filme com um bom andamento de situações e seja (isso sim, não tem como não continuar sendo) extremamente simpático.

Em uma viagem de trem pela Europa, um casal de jovens, aliados ao acaso, senta-se próximo durante o trajeto. Inicia-se uma conversa que indica a proximidade de ambos. Ele é Jesse (Hawke), americano vindo da Espanha com destino à Itália para pegar um avião de volta pra casa. Ela é uma estudante da Universidade de Sorbonne, voltando pra Paris por conta do inicio das aulas. Movidos pela ligeira atração que sentiram um pelo outro, eles descem em Viena para passar mais algumas horas conversando e conhecendo o local, até a manhã do dia seguinte, quando o vôo de Jesse partirá. Nesse meio tempo, muita conversa; passeios variados e os bons momentos conseqüentes da descoberta de que estão ficando realmente envolvidos.

Como já dá pra prever, o filme se sustenta basicamente em diálogos. O que é, evidentemente, o grande charme do longa. São através de longas seqüências de conversa que eles apresentam suas idéias em relação a tudo em que passa pela cabeça deles, como medos, concepções de amor, como lidar com as relações e as expectativas de vida. Por se tratarem de jovens nos seus vinte e poucos anos, é até justificável o falatório todo e tantos monólogos sobre suas visões e mundo. Nesse ponto, a jovem Celine é a que mais surpreende, embora, lá no fundo, possa parecer tão insegura quanto qualquer outra garota.

Em tempos de internet, é difícil engolir uma situação onde eles terão um tempo determinado para estarem juntos e, possivelmente, não se encontrarão tão cedo. Mas a dinâmica é outra, eles querem algo diferente, e é talvez nisso que o roteiro force um nó a mais na naturalidade da situação. É ousado por ser um filme onde um casal passa algumas horas discutindo experiências de vida e presenciamos uma amostra genuína do nascimento do amor, mas algumas escolhas feitas ali foram inseridas simplesmente porque os roteiristas queriam facilitar a boa imagem do filme em relação aos corações mais dramáticos. Não é de todo mal, porém não passa de uma artimanha que funciona somente numa história que quer ser reconhecida com um romance mais realista, e isso, é uma coisa que “Antes do Pôr-do-Sol” talvez não seja.

Em tempo, são bons momentos aproveitáveis. Tudo isso até o já indesejável momento do adeus, ou no caso deles, o “later” e o “au revoir”.