quinta-feira, 26 de abril de 2012

Uma Vida Melhor [2011]


(de Chris Weitz. A Better Life, EUA, 2011) Com Demián Bichir, José Julián, Nancy Lenehan, Gabriel Chavarria, Carlos Linares. Cotação: **** 

Filme sobre o sonho americano representado por imigrantes ilegais não deixa de ser um daqueles clichês recorrentes. Dentre tantos títulos que podem servir como exemplo, lembro bem de "Terra de Sonhos", filme de 2002, protagonizado por Samantha Morton. Neste caso em específico, uma família de irlandeses vai morar ilegalmente num apartamento humilde nos EUA, passando pelos maiores perrengues, mas sempre com um mínimo de satisfação por estarem planejando um sonho que parece ser conseguido somente por estarem naquele lugar. “Uma Vida Melhor”, guardadas as devidas proporções, trata do mesmo tema, em uma obra na qual os momentos felizes são pontuais, e as dificuldades de uma vida beirando a tragédia se faz presente em cada centímetro da película. 

No subúrbio de Los Angeles, o mexicano Carlos Galindo (Demián Bichir) tenta ganhar a vida como pode, fazendo das tripas coração para se manter num país onde mora ilegalmente, numa vida de riscos junto ao seu filho adolescente, Luis (José Julián), de 14 anos. Este, por sinal, pouco se importa se seu pai precisa trabalhar exaustivamente como jardineiro, porque sabe que o máximo que ele vai conseguir é exaustão, num meio onde os jovens mexicanos precisam, como aparente melhor opção, juntar-se a gangues latinas na periferia norte-americana que não são comandadas por negros. Carlos, um homem íntegro e batalhador, terá que enfrentar as piores situações quando tem suas ferramentas roubadas por um homem em que ele julgava ser íntegro como ele, sempre com o perigo da deportação batendo à sua porta. 

Todos já devem saber que a grande carta do filme está na indicação de Demián Bichir como melhor ator no Oscar 2012, tirando a vaga que estava sendo disputadíssima entre Ryan Gosling (por “Drive” ou “Tudo pelo Poder”) e Michael Fassbender (por “Shame”), dois dos maiores destaques do cinema no ano passado. Ver Bichir entre os finalistas foi uma grande surpresa, ainda mais se levar em consideração suas chances praticamente mínimas. O ator, de fato, faz um trabalho excelente, embora eu tenha ficado um tempo – por menor que fosse – para desassociar sua imagem da série “Weeds”, onde interpretou um chefão de um cartel de drogas mexicano, que perseguiu Nancy Botwin por uma temporada inteira. Terminado o filme, Demián Bichir já estava com um conceito supra elevado, graças ao seu trabalho simplório, mas que continha uma carga que me emocionou bastante. 

Já um ponto do próprio filme que o faz ser tão bom é a contraposição entre pai e filho, que inicialmente pouco se relacionam, mas que vão ganhando uma interação comovente. Luis, o típico aborrecente que não dá o devido valor da luta social que seu pai enfrenta, chega até a desdenhar de suas raízes chicanas. Fica a cargo do seu próprio pai resgatar as lembranças culturais e familiares do menino, em duas ou três cenas de conversa que acabam sendo as melhores do filme. Isso sem contar as diferenças até mesmo entre as personalidades dos dois. Carlos, o pai, é daqueles que chega a se auto-humilhar diante de algumas situações que exigem uma luta pela sobrevivência ou ter que demonstrar sua raiva. Já Luis, o filho, é mais levado por essa raiva, e, por conseqüência, é menos racional. E cada um traz a sua cota de humanidade para representar-se como personagem.

“Uma Vida Melhor” é dirigido Chris Weitz, um cara no sense que foi realizador de “Um Grande Garoto” (filme de 2002 que ele dirigiu ao lado de seu irmão Paul Weitz) e também dirigiu a segunda parte do caça-níqueis “Crepúsculo”. Em meio a tantas incoerências, “Uma Vida Melhor” comprova o seu talento escondido em algum lugar.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Drive [2011]


(de Nicolas Winding Refn. Idem, EUA, 2011) Com Ryan Gosling, Carey Mulligan, Bryan Cranston, Albert Brooks, Oscar Isaac, Christina Hendricks, Ron Perlman. Cotação: **** 

O canadense Ryan Gosling se confirmou como o astro da vez no ano de 2011. Não é exatamente uma revelação. Trabalhou na TV em boa parte dos anos 90, e sua primeira aparição em um filme conhecido foi em “Duelo de Titãs” (2000) ao lado de Denzel Washington. Na última década, foi crescendo de uma forma elogiável, conquistando até indicação ao Oscar de melhor ator por seu problemático papel em “Half Nelson” (2006), e a partir daí, foi um papel prestigiado atrás de outro. Dos mais recentes, ele fez trabalhos incríveis em “Namorados Para Sempre”, “Amor a Toda Prova” e “Tudo Pelo Poder”. Mas seu maior exemplo de brilhantismo artístico está nesse “Drive”, onde ele interpreta um personagem mais desafiador, por ser um lacônico tendo que mostrar a que veio. 

O sujeito que Gosling interpreta é um cara cujo nome nem chega a ser citado (ora é chamado de “driver”, ora de “kid”). Ele trabalha como dublê em produções cinematográficas, mecânico no estabelecimento do seu amigo Shannon (Bryan Cranston), e ainda faz bicos como piloto de fuga em grandes assaltos. Ou seja, trabalha em tudo o que envolve volante. Sendo um cara praticamente impenetrável, mora em um apartamento simples em Los Angeles, e logo inicia uma amizade com sua vizinha, Irene, uma jovem garçonete que tem um filho pequeno e o marido se encontra na cadeia. Apesar da imediata atração que surge entre os dois, o “driver” logo cria a tendência de proteger Irene e sua família, após o marido desta ser libertado, mas em dívida com mafiosos. O sujeito, que antes demonstrava ser tão calmo, resolve ajudar o vizinho, e com isso, envolve-se em uma série de reviravoltas que irão afetar violentamente a todos. 

A importância do filme está basicamente no próprio protagonista e na fórmula que encontraram para trabalhá-lo. O sujeito é construído de uma maneira até metodológica para faturar o nosso interesse. O filme chegou quase nos seus 20 minutos de duração até que o personagem solte uma palavra. E no decorrer da história, seu discurso parece ser economizado para restarem suas ações. E que ações. Até as suas vestes nos querem dizer algo. Sua jaqueta, que traz um escorpião estampado nas costas, nos remete diretamente à fábula do escorpião e do sapo (que até chega a ser citada no filme). Para quem não conhece, trata-se da estória de um escorpião que queria atravessar um rio, e para isso, pede ajuda para um sapo. Este, embora desconfiado, aceita ajudar. Até que no meio do caminho é picado pelo artrópode. Mesmo sabendo que aquilo representava a morte dos dois, o escorpião argumentou que o ato de ferroar é da sua natureza, e teria que ser feito mesmo que aquilo o mataria junto a sua vítima (nesse caso, o sapo). 

Pois bem, ilustradamente, o motorista do filme é o sapo atingido pelo veneno do crime, que o rebaixou à sua corrupção. 

Óbvio que “Drive” não se resume somente a isso. O filme, aliás, é profundo, principalmente no que diz respeito ao estilo. A história, baseada no livro de James Sallis não traz nada muito além da impecável alegoria que já falei, mas o grande barato de “Drive” está justamente na sua aura cool, pomposa nos seus detalhes artísticos. É raro ver perseguições automobilísticas com certo cuidado visual e até mesmo calma para a execução delas (!). A excelente trilha sonora fica a espreita em meio a tanta violência (existe até esfacelamento de crânio com pisadas, bem ao estilo de Gaspar Noé) e atuações magníficas. Além de Gosling, destaque para Albert Brooks, popular comediante norte americano, que quase foi indicado ao Oscar por este papel. Foi injustamente ignorado, assim como o próprio Ryan Gosling, a quem todos apostavam alto. 

“Drive” rendeu ao seu interessante diretor, Nicolas Winding Refn, a Palma de Ouro no último festival de Cannes. O diretor dinamarquês, que está sendo visado graças ao seu agora importado talento, vai repetir sua parceria com Ryan Gosling no seu próximo filme intitulado "Only God Forgives", com previsão original de estréia ainda em 2012.

domingo, 15 de abril de 2012

In Memorian



Conheci a Cinthia quando estava na segunda série do ensino infantil. Logo nos primeiros dias de aula, a nossa afinidade aflorou de uma maneira quase inexplicável. É difícil acreditar, mas eu, aos oito anos (ela com dez), acabei conhecendo o valor da amizade, algo até então difícil de entender o conceito. 

Durante anos e anos, sempre estudamos na mesma sala de aula. Professores até tentaram – em vão - nos manter afastados, fazendo a gente sentar em lados opostos da sala de aula, tudo para que tanta conversa cessasse. E, de fato, era MUITO papo. Quando não tinha aula, o programa era passar na locadora, alugar VHS e descambar pra minha casa assistir filmes. “O Casamento do Meu Melhor Amigo”, “Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado” e “Titanic” foram filmes que marcaram muito essa época.


Mais alguns anos se passaram, a adolescência chegou, e a dupla Junior e Cinthia se matinha cada vez mais unida. No colegial, mudamos para outra escola juntos, e a companhia se manteve. Não havia um lugar em que eu estivesse, e Cinthia não estava junto, e vice-versa. Nossas famílias se tornaram vizinhas. E se tratando de família, a minha se tornou a dela, e a dela se tornou a minha.

Tinha gente que apostava em um casamento. Tolos. Mal compreendiam o valor de uma amizade entre pessoas de sexo oposto. Descobrimos o seriado “Will & Grace” (quem não conhece, vale a indicação) e acompanhamos todas as temporadas com uma identificação de causar espanto. Aliás, se querem entender o nível do nosso companheirismo, Will e Grace são os exemplos mais próximos que posso dar.

Cinthia tinha duas paixões: psicologia e teatro. E seguiu com esse sonho, foi cursar Psicologia e se dedicar, como pôde, ao teatro amador. E não é porque é minha amiga não, mas eu sempre acreditei que, com o talento nato que ela representava, ela ia muito longe. Eu fiquei vagando entre projetos e desejos pessoais, até cair na Filosofia. Mesmo estudando em faculdades diferentes e trabalhando em áreas distintas,  estávamos sempre indo ao cinema em cada brecha de tempo que encontrávamos. Enquanto um comprava a pipoca, o outro ia guardando os lugares na sala do cinema


Os amigos que fazíamos acabavam se tornando amigos em comum. Um sempre falava do outro. As amigas dela me conheciam antes mesmo de serem apresentadas a mim. Comigo era a mesma coisa. Os rapazes que ela conhecia, tinham que passar pelo meu ciúme crivo. Comigo era a mesma coisa. Cada projeto, a primeira pessoa a ser perguntada, tinha que ser, é claro, o melhor amigo. E repito: Comigo era mesma coisa. 

Apesar de esses mesmos projetos terem nos afastados o mínimo que fosse (fazendo com que nos víssemos somente uma vez por semana, um disparate!), nada poderia diminuir nossas piadas internas, aquela feição que fazíamos um pro outro que já servia como um diálogo inteiro. Isso, pra ser sincero, é de um sincronismo que somente uma amizade de tantos anos poderia resultar. 

Na última semana, infelizmente, a dupla se desfalcou. Obviamente, não vou entrar em detalhes no processo doloroso que foi, porque isso desvirtuaria a idéia desse post. Qualquer homenagem que eu pudesse fazer, por mais simplória que fosse, eu produzo porque isso foi um dia conversado. 


Com 24 anos, não me sinto preparado para despedidas. Nunca gostei, e presumo que nunca estarei preparado para tal. Foi a primeira vez que passei pela dolorosa sensação de, justamente, ter que dizer adeus sem ouvir uma resposta verbal. Pela primeira vez, Cinthia me retribuiu um silêncio. 

Uma das coisas que eu aprendi com tantos filmes e séries que assistimos juntos, foi o real valor da morte. Foi em “Six Feet Under”, em sei lá qual temporada, que algum personagem, intrigado pela questão “Pra quê existe a morte?”, ele conclui respondendo algo como: “A morte existe para a vida ser valorizada. Se a morte não existisse, a vida seria um nada”. 

Então, se é pra vida ser aproveitada com o máximo de realizações, eu posso dizer que a Cinthia cumpriu a sua tarefa como sempre fez questão de ser: exemplar.

Dito tudo isso, Cinthia, espero que esteja guardando o meu lugar, como tantas vezes teve que fazer na sala do cinema. Um dia, quem sabe, voltaremos a ter a boa e velha sessão juntos.


Antes de tudo, é preciso dizer que esse post não tem nada de oportunista, até porque não estou falando de qualquer pessoa, e sim, de uma grande amiga, a quem foi minha companhia honorária em ver filmes. Muito do cinéfilo que sou hoje, e desse blog, se deve a ela. E poucos sabiam o porquê... até agora.

terça-feira, 10 de abril de 2012

O Turista Acidental [1988]


(de Lawrence Kasdan. The Accidental Tourist, EUA, 1988) Com William Hurt, Kathleen Turner, Geena Davis, Amy Wright, Ed Begley Jr., Bill Pullman. Cotação: **** 

Este é um filme bem típico dos dramas de finais dos anos 80, que hoje, possui uma aura nostálgica e triste. Sim, o filme, apesar de muitos o considerarem uma “dramédia”, eu o vejo como um drama genuíno, e dos pesados. Ora, o filme já retrata, de imediato o drama de um casal que perdeu o único filho em um trágico episódio envolvendo um assalto. Depois disso, há um divórcio disfarçado em mútuo abandono e a tentativa de se reencontrar num mundo que pouco faz sentido. De maneira mais reducionista possível, é isso o que ocorre com o nosso protagonista, interpretado de maneira simples e humana por William Hurt. 

Após a perda do filho, Macon Leary (William Hurt) não poderia esperar o pedido de divórcio feito pela esposa, Sarah (Kathleen Turner). Ele é um homem de poucas palavras e ausente por conta de seu trabalho, que consiste em viajar mundo afora para escrever resenhas. É autor de “O Turista Acidental”, um guia de grande sucesso entre os executivos, que os ensina a organizar detalhadamente uma viagem sem ter que abrir mão da sensação de estar em casa (o logo da capa é uma poltrona alada), com dicas de como arrumar a mala e o que comer durante os vôos. Após a separação, ele vai morar na casa de seus irmãos metódicos, e sem ter onde deixar o seu cachorro de estimação (um lindo cão da raça Cardigan Welsh Corgi) para conseguir viajar, recorre a um hotel de animais, cuja dona é a excêntrica Muriel Pritchett (Geena Davis), moradora do subúrbio e mãe solteira. Logo, Macon acaba mantendo uma relação cada vez mais próxima com Muriel. 

É interessante notar a construção de personagem em cima de Macon. Ele é um intelectual de poucas palavras, quase incapaz de demonstrar algum tipo de reação. Logo no primeiro ato de “O Turista Acidental” já o conhecemos dessa maneira, mas ao longo da história, pudemos ver que ele pode não ter sido sempre assim. A morte prematura do filho pode ter sido determinante, ou pelo menos, ter acentuado sua insatisfação constante com a vida. E não é a toa que sua esposa resolve seguir uma vida longe dele, justificando que, no momento em que ela mais precisou, foi obrigada a se deparar com um homem frio e distante. E essa personalidade chocou-se de frente com Muriel, exatamente o avesso do casal. Mesmo estando com grandes infortúnios (é mãe solteira de um menino cheio de problemas de saúde), ela não se redime a uma vida de “oh, céus, oh vida, oh azar”. Ou seja, os paralelos de personalidades é que dão rumo à história. 

“O Turista Acidental”, baseado no livro homônimo de Anne Tyler, é dirigido Lawrence Kasdan, mais conhecido por escrever roteiros de filmes como "Grand Canyon - Ansiedade de uma Geração" (1991) e o – vejam só - "O Guarda-Costas" (1992). O longa também é conhecido por ter dado o primeiro e único Oscar de Geena Davis como atriz coadjuvante. Esta, aliás, conseguiu a proeza de ter um período de bons trabalhos (voltou a ser indicada como melhor atriz por “Thelma & Louise” três anos mais tarde), para depois ser rebaixada numa série de trabalhos ruins e vexatórios pra sua carreira. O que é uma pena, pois a moça tinha um perfil interessante pra indústria, com sua estatura alta, rosto marcante e um talento peculiar. Por isso, “O Turista Acidental” acaba sendo a apresentação de um trabalho notável de Geena, que como puderam perceber, acabou sendo pontual. 

Por ser equilibrado demais, “O Turista Acidental” não tem grandes admiradores. O que posso dizer é que o filme é bem intencionado, e vai agradar, principalmente, aos fãs de bons dramas conflitantes.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Fale com Ela [2002]


(de Pedro Almodóvar. Hable con Ella, Espanha, 2002) Com Javier Cámara, Darío Grandinetti, Leonor Watling, Rosario Flores, Geraldine Chaplin. Cotação: *****

Pode parecer surpreendente, mas Pedro Almodóvar só foi indicado apenas uma vez para o Oscar, tanto como roteirista como diretor (é por estas e outras que a premiação, muitas vezes, não é levada muito a sério). E o filme que deu a chance de Almodóvar de ganhar a estatueta dourada foi justamente este “Fale Com Ela”. Curiosamente, é um dos meus preferidos do diretor espanhol (se não for o mais). Não que eu me influencie desta maneira com Oscar, mas acredito que ele é um dos mestres mais injustiçados da Academia, que está demorando a reconhecer o talento do cara e, enfim, condecorá-lo como diretor (ele ganhou apenas na categoria de roteiro), mesmo que ele sempre esteja lançando filmes excelentes. Mas parece que ele não está nem aí, e faz questão de provar que Oscar não faz falta pra ele.

“Fale Com Ela” tem uma trama tortuosa, e uma das mais belas que Almodóvar já contou. Trata-se de duas histórias que – como sempre – vão acabar se relacionando. De um lado, o enfermeiro Benigno (Javier Cámara) cuida de Alicia (Leonor Watling), uma paciente em coma há quatro anos, a quem ele parece manter uma paixão platônica desde o acidente de carro que a deixou em estado vegetativo. De outro lado, o jornalista argentino Marco (Darío Grandinetti), que escreve para o “El País”, se envolve com Lydia (Rosario Flores), uma toureira de sucesso que acaba se ferindo gravemente na arena e entra em coma profundo. No hospital, Benigno e Marco vão iniciar uma amizade repleta de confissões, cumplicidade e ligada pelo amor que sentem pelas mulheres que se encontram internadas.

É interessante notar, de imediato, a diferença primordial entre Benigno e Marco. Apesar de ambos estarem em uma situação parecida, os dois lidam com as trágicas conseqüências de maneiras diferentes. Benigno acredita que tudo pode ser revertido, e que o amor pode vencer qualquer barreira. Sua ingenuidade pode acabar custando caro. Marco, por sua vez, já é cético em relação a muitas coisas, inclusive na possibilidade de sua companheira acordar, ou até mesmo, na chance dela escutar no coma (o título da obra vem daí). Nessas diferenças, o resultado pode ser fatal: enquanto um está sempre ganhando, o outro está sempre perdendo. Mas o que determina quem ganha ou quem perde nessas ocasiões são as artimanhas do destino. E com destino Almodóvar sabe brincar e fazer bonito.

As viradas que a história dá e a amostra do que é se alimentar das paixões são características tão presentes no universo de Almodóvar, que tudo ali parece acontecer de forma natural. E sabemos que, no final da história, um auge inesperado e surpreendente poderá acontecer. Em “Fale Com Ela”, Almodóvar, que sempre se mostrou bom entendedor da mente das mulheres, trata do homem como vítimas de um amor vitimado pelo acaso. E as mulheres se mantêm fora do contexto principal na maior parte do tempo. Ou seja, o diretor e roteirista deixou calar (mas não completamente) as mulheres para dar chance de provar que a delicadeza masculina não só existe, como também se faz presente de uma maneira única. 

Almodóvar também insere dentro de seu filme um curta-metragem inesquecível sobre um homem que vai encolhendo, e acaba sendo acolhido por sua mulher, mas de uma forma bem curiosa (vale a pena conferir). Ainda tem a presença marcante de Geraldine Chaplin, filha de Charles Chaplin (1889–1977), interpretando a professora de balé de Alicia. “Fale Com Ela” também é um dos filmes mais “abrasileirados” de Almodóvar, que colocou Elis Regina na trilha sonora, e uma ponta de Caetano Veloso (a quem é amigo e admirador) cantando em uma cena que reúne grandes atrizes que são conhecidas pelos filmes com Almodóvar, como Cecilia Roth e Marisa Paredes.

Não tem como não gostar.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão [1982]


(de Woody Allen. A Midsummer Night's Sex Comedy, EUA, 1982) Com Woody Allen, Mia Farrow, José Ferrer, Julie Hagerty, Tony Roberts, Mary Steenburgen. Cotação: ***

Presente nas grandes coleções à venda de Woody Allen, na verdade é um dos mais esquecíveis do diretor, e me arrisco a dizer que seja um dos títulos mais fracos dele nos idos dos anos 80. Não chegou a ser levado a sério, tendo conseguido uma indicação ao Framboesa de Ouro (o Oscar dos medíocres) de pior atriz para Mia Farrow. Ela, por sinal, marca aqui o início de uma duradoura parceria com Allen, que viria a ser seu esposo, que por sua vez e planejava este papel para Diane Keaton, atriz que recusou o projeto por estar envolvida na campanha de divulgação do filme “Reds”, estrelado ao lado de Warren Beatty e quase lhe rendeu um Oscar de melhor atriz. Mas voltando a Mia Farrow, a atriz de voz enjoada e semblante puritano está arrasando corações na história, o que fica difícil de ser levado a sério.

Não sabemos bem quando se passa a história (a sinopse dá conta do inicio de 1900), quando o “inventor excêntrico” Andrew (Woody Allen) e sua esposa Adrian (Mary Steenburgen) estão passando por uma delicada crise sexual, mas estão pra receber visitas em sua casa de  campo. São eles, um primo de Adrian, o professor universitário, filósofo e erudito Leopold (José Ferrer) e sua noiva bem mais jovem, Ariel (Mia Farrow), e ainda o amigo de Andrew, o médico mulherengo Maxwell (Tony Roberts) e a enfermeira Dulcy (Julie Hagerty). O que os três casais não poderiam esperar é que o passado de um está ligado ao outro, ou surgem atrações momentâneas, que resultam em uma verdadeira ciranda amorosa.

Sim, o nome tem algo a ver com “Sonhos de Uma Noite de Verão”, umas das principais peças de Shakespeare, que data no final do século XVI, mas tem ainda uma maior relação com “Sorrisos de Uma Noite de Verão”, filme de 1955 do diretor Ingmar Bergman. Woody Allen, sempre ligado nos mais variados temas e movimentos culturais de épocas distintas, quis brincar com as situações correspondentes entre a peça e o filme que ele adaptou da forma mais liberal possível. Existem as suas características visíveis, como a descarada crítica que ele faz à figura do esteta/acadêmico, aqui interpretado pelo ator José Ferrer (1912–1992), e algumas das mais notórias frases de efeitos que ele cria, como "o casamento é a morte da esperança" ou "o sexo alivia a tensão, o amor a causa". Exemplos soltos de afirmações que o tornam um verdadeiro cineasta-filósofo.

“Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão”, no final das contas, não chega a ser um filme que faz jus a extensa lista de roteiros brilhantes de Allen. Aqui ele está mais modesto, deixando de ser um protagonista para dividir atenção com um elenco até grande para os moldes de seus filmes. Também não criou uma história inteiramente imaginativa (como disse, as referências são óbvias), e precisa de uma maior liberdade poética para aceitar algumas situações forçadas, principalmente quando existem bolas de cristal, objetos voadores e ectoplasmas na floresta. Porém, isso acaba proporcionando ótimas discussões entre os personagens mais “místicos” e o cético professor universitário que ficou famoso por escrever um livro criticando ferozmente a metafísica. E apesar do potencial dessa ideia, não tem como escapar de uma alusão que o filme faz e que demonstra certo desleixo criativo de Allen no indecoroso desfecho. 

Afinal, seriam os vagalumes a essência de alguém que morreu no auge da paixão?

Uma pergunta profunda, se não fosse risível.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Amores Brutos [2000]


(de Alejandro González Iñárritu. Amores Perros, México, 2000) Com Gael García Bernal, Goya Toledo, Vanessa Bauche, Jorge Salinas, Adriana Barraza. Cotação: *****

Eu me recordo muito bem o quanto eu resisti a esse filme por anos. Após assistí-lo há muito tempo, ainda meio inexperiente, eu fiquei horrorizado com tamanha violência, principalmente nas cenas envolvendo cachorros. Larguei o filme antes da metade, pois se não bastasse a carnificina canina, o filme tinha uma aura de causar náuseas, estética suja, e causava um incômodo indescritível. Passaram-se anos, e lembro que simplesmente adorei os filmes seguintes de Iñárritu que fecharam a trilogia iniciada justamente com “Amores Brutos”. Foram eles, “21 Gramas” e “Babel”, de 2003 e 2006, respectivamente. Toda a trilogia foi resultado de uma memorável parceria entre Iñárritu e o roteirista Guillermo Arriaga. Como um bom aluno, fui rever “Amores Brutos”, desta vez bem mais preparado. O resultado foi uma grata surpresa.

O trato com os cachorros ainda me incomoda, isso eu não nego. Mesmo que sejamos alertados, logo no início da película, que nenhum cachorro sofrera maus tratos. Não tinha como excluir a participação dos cães, porque eles são justamente o grande elo das histórias apresentadas aqui (vem daí o título “amores perros”). Octavio (Gael García Bernal) fica perdidamente apaixonado por Susana (Vanessa Bauche). Não seria grande problema, caso ela não fosse esposa do seu violento irmão. Para arquitetar uma fuga com ela, Octavio coloca o seu rotweiller em rinhas clandestinas de cães, o que lhe garante alguns trocados. Valeria (Goya Toledo) é uma top model de sucesso e referência de beleza. Seu amante acaba de largar esposa e filhas pra viver com ela. Mas um terrível acidente a faz ficar debilitada, com uma de suas famosas pernas repleta de pinos. E o catador El Chivo (Emilio Echevarría) tenta se reaproximar de sua filha, hoje uma mulher, que ele abandonou quando era ainda uma criança para servir numa guerrilha.

Como se vê,  são histórias que aparentemente não tem nada a ver umas com as outras. A não ser o amor pelos cães que cada um sentem. Susana fica desesperada ao ver seu seu pequeno cachorro entrar no asoalho do apartamento e não poder fazer nada por conta de sua dolorosa recuperação, e El Chivo, como todos os catadores de papelão e quaisquer outros materias recicláveis, vive repleto de cachorros ao seu redor.  Claro que os animais não são o suficiente para se imporem no filme, afinal, é preciso um elo maior de ligação. Isso fica a cargo de um acidente entre carros, que irá afetar a vida dos personagens definitivamente. 

Em qualquer aula básica de teoria cinematográfica, uma das coisas que nos é ensinada é a atenção que devemos ter nas peculiaridades do roteiro. E isso pode ser interpretado na forma como o roterista (nesse caso, Arriaga) desenvolve a sua narrativa. Cada cena e cada diálogo devem ACRESCENTAR algo na história. “Amores Brutos” é um exemplo a ser seguido, pois suas cenas sempre tinham algo a trazer tanto para as histórias, quanto para acrescer os próprios personagens, os tornando cada vez mais intrigantes. Se isso já não é elogio suficiente, o que dizer então do belíssimo trabalho de  Iñárritu, antes um publicitário que se encantou com o ofício, e demonstrou o início de sua fase mais promissora. Amo toda a trilogia, mas não sou fã de “Biutiful”, por exemplo. O que pode acusar uma certa limitação no próprio diretor, que ainda merece melhores oportunidades e fugir de uma acusação de cineasta de um truque só (nesse caso, de três).

“Amores Brutos” chegou a ser indicado ao Oscar de filme estrangeiro, mas acabou perdendo para o belíssimo “O Tigre e o Dragão”. O filme também é válido para você conhecer um lado do México que você certamente não gostaria de viver.