terça-feira, 22 de maio de 2012

Thelma & Louise [1991]


(de Ridley Scott. Idem, EUA, 1991) Com Susan Sarandon, Gene Davis, Harvey Keitel, Michael Madsen, Christopher McDonald, Stephen Tobolowsky, Brad Pitt. Cotação: ****

De volta a minha já rotineira revisita aos filmes que me encantaram há alguns anos atrás, peguei “Thelma & Louise” pra rever em casa. Continua sendo um grande filme, é verdade, mas cheguei a reparar (até por mais de uma vez) algumas cenas que não se encaixavam com o filme em si. Reconhecido como um dos filmes mais feministas do cinema nos anos 90, o longa trouxe Geena Davis e Susan Sarandon (duas grandes atrizes que representaram a época em que o filme foi lançado) em atuações magníficas, representando mais que duas mulheres, mas verdadeiros símbolos de uma repressão que a figura feminina ainda custa a tentar sair.

Louise (Susan Sarandon) é uma garçonete cansada da rotina, e é pra fugir desta, que chama sua amiga Thelma (Geena Davis) para uma viagem de fim de semana. Thelma, ao contrário da amiga, é uma esposa dedicada, casada, cujo esposo não lhe dá o mínimo valor. Mesmo assim, elas partem a bordo de um Thunderbird 66, viajando pelas estradas do Arkansas. Até que uma tentativa de estupro que se agrava em um assassinato acaba fazendo com que elas mudem a rota da viagem. E o que era para ser uma aventura “inocente”, acaba se tornando uma fuga que elas abraçarão até as últimas consequências.

Dizer que o filme é feminista por excelência não chega a ser um exagero. Para começar, trata-se de um filme de Ridley Scott, que embora (obviamente) não seja uma mulher, comandou “Alien, o Oitavo Passageiro” (1979) trazendo a agente Ripley (Sigourney Weaver) como um dos maiores ícones da cartela de personagens feministas. Como se não bastasse o nome de Scott, a roteirista de “Thelma & Louise”, a texana Callie Khouri (que nunca mais foi vista, diga-se de passagem) chegou a arranjar brigas com uma série de gente questionando o teor “anti-homem” do filme, o que ela negou veementemente, apesar de assumir que a força feminina é o motor da história.

Aliás, é esse “motor” que trouxe alguns obstáculos para o próprio filme se assegurar. Em alguns momentos da viagem, somos deslocados para uma espécie de “história-para-servir-de-alívio-cômico”, envolvendo um caminhoneiro e nossas protagonistas. Esses devaneios, além de totalmente dispensáveis, ainda não justifica algo que poderia ser melhor aproveitado, que é a própria figura feminina em detrimento da masculina, que não necessita de explosões e cara de “poderosa” empenhando uma arma.

Mas justiça seja feita. Quando se trata de figuras poderosas, não poderia existir melhores intérpretes. Recentemente, ao falar sobre “O Turista Acidental”, eu deixei até muito presente no texto a minha tristeza ao me deparar com o atual ostracismo de Geena Davis, uma atriz que tinha tudo pra decolar. E Susan Sarandon, com seus olhos tão expressivos que poderia muito bem reviver Bette Davis, torna a parceria com Geena muito bem dosada, que a levaram è dupla indicação ao Oscar de Melhor Atriz. 

E não tem como terminar esse texto sem falar do glorioso final. Muita gente ainda cita “Thelma & Louise” quando o assunto é final inesquecível. De fato, finais surpreendentes são muito bem vindos. Mas nesse caso, a coisa ainda vai muito mais além. Não há nada melhor do que terminar o filme vendo os personagens principais tendo um desfecho direcionado a tudo o que tinham provado na história, num final muito bem justificado. E é por isso que “Thelma & Louise”, no final das contas, ainda é um grande filme.  

quinta-feira, 17 de maio de 2012

O Show de Truman [1998]


(de Peter Weir. The Truman Show, EUA, 1998) Com Jim Carrey, Laura Linney, Noah Emmerich, Natascha McElhone, Paul Giamatti, Ed Harris. Cotação: *****

Lembro muito bem de quando eu assisti “O Show de Truman” pela primeira vez. Desde já, eu o considerava um dos roteiros mais originais que conheci, e sabia que continuaria com essa impressão por um longo tempo. E é exatamente isso que me convenci, pegando o filme pra assistir novamente muitos anos depois. Sabe aqueles filmes que você assistiu há muito tempo, mas que você nunca esqueceu? “O Show de Truman” é um desses pra mim. Eu era capaz de premeditar situações e até citar algumas falas, me garantindo na memória cinematográfica que muitos cinéfilos têm. Mas nem por isso deixei de me divertir com a nova visita. Bons filmes merecem – e devem – ser revistos sempre. E não tem como não embarcar na idéia.

Truman Burbank (Jim Carrey, de "Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças") não sabe, mas ele é estrela de um dos realities shows mais populares dos EUA. Desde que ainda era um feto, sua vida foi acompanhada por milhares de câmeras. Na ilha de Seahaven ele cresceu, e prestes a completar 30 anos, é um insatisfeito vendedor de seguros, casado com uma enfermeira - Meryl (Laura Linney, "Kinsey - Vamos Falar Sobre Sexo") – mas que nunca esqueceu o rosto de Lauren (Natascha McElhone, de "Ronin"), uma garota que ele conheceu na juventude e nunca mais foi vista. Assistido por uma platéia interessada em cada passo que dá, ele mal se dá conta de que sua vida é televisionada, sua rotina não passa de um roteiro, sua mulher, amigos e familiares são todos atores, e sua cidade é um grande estúdio de TV, com todo aquele clima de conspiração, já que ele é o único que não se conhece de fato. Até que a idéia de sair do lugar onde vive pode colocar em risco os planos de Christof (Ed Harris, de "As Horas"), criador do programa, que tem em Truman o seu grande experimento. 

Na segunda metade dos anos 90, o cinema passou a retratar a sociedade americana, que estava ficando cada vez mais ligada à televisão, uma população ávida pela vida alheia, e em programas que exploravam ao máximo as graças e desgraças do cidadão norte-americano. Para citar outro caso, eu me lembro de um filme chamado “Ed TV” (1999), produção com Matthew McConaughey, Jenna Elfman e Woody Harrelson no elenco, retratando a decisão de um cara comum, que decide aceitar a oferta de ter uma câmera 24 horas na sua cola, para se tornar um programa de TV fora dos padrões. Fica evidente que, além de espectadores vorazes, os americanos estavam, por decorrência, se tornando exibicionistas. “Ed TV” e “O Show de Truman” são os dois lados dessa mesma moeda, e, embora o filme de 99 não tenha feito sucesso, é um ótimo contraponto para o filme que Jim Carrey evolui partindo para o gênero dramático.

E Jim Carrey, mesmo estando excelente no papel, quem rouba mesmo o filme é Ed Harris. Fazendo um megalomaníaco capaz de quase tudo para manter Truman encapsulado naquele mundo de fantasia, ele possui um discurso até interessante para justificar os seus atos e tentar convencer Truman (e nós) de que sempre quis o melhor para sua (quase) criatura. “As decepções daqui [de Seahaven] são as mesmas que as de lá [da porta da cidade pra fora]. A diferença é que aqui você está protegido”. Lindo e questionável. Boninho deve ter ficado maravilhado com isso.

O principal fator para que eu continue reafirmando que “O Show de Truman” é genial é mesmo seu roteiro. Escrito por Andrew Niccol (“S1mone”, “O Senhor das Armas”, entre outros), o texto é milimetricamente fabuloso. E a certeza está nos detalhes. Em dado momento, vemos, quase que passando despercebido, que os personagens da história de Truman tomam cápsulas de vitamina D. Ora, se até o céu de Seahaven é um grande complexo de iluminação artificial, faz todo o sentido que os habitantes tenham que repor a vitamina D de alguma forma. E o que eles fazem para manter Truman sempre na mesma cidade? Simples, fazendo com que ele tenha pânico de embarcar em barcos ou aviões, através de situações que causaram traumas no cidadão. Explicação que se não é genial, é, ao menos, muito bem amarrada na proposta do filme, o tornando assim aceitável.

“O Show de Truman” concorreu a três Oscar, nas categorias de Roteiro Original (e veja que perdeu para “Shakespeare Apaixonado”, numa das provas de que esse filme consegue proezas inacreditáveis quando se trata lobby artístico), Ator Coadjuvante para Ed Harris, e Diretor para Peter Weir, profissional de grande nome, que infelizmente (ou não) trabalha pouco, mas sempre mantendo bons títulos. Na década passada, lançou apenas dois filmes: "Mestre dos Mares - O Lado Mais Distante do Mundo" (2003) e "Caminho da Liberdade" (2010). Se for pra ter alguns períodos de jejum para nos entregar filmes interessantes... Que assim seja.

terça-feira, 15 de maio de 2012

O Que é Isso, Companheiro? [1997]


(de Bruno Barreto. Idem, Brasil, 1997) Com Alan Arkin, Fernanda Torres, Pedro Cardoso, Luiz Fernando Guimarães, Cláudia Abreu, Nelson Dantas, Matheus Nachtergaele, Marco Ricca, Caio Junqueira, Selton Mello, Eduardo Moscovis, Fernanda Montenegro. Cotação: *****

Não escondo de ninguém a minha adoração por qualquer filme que retrata o período negro da ditadura aqui no Brasil. Curiosamente, filmes nacionais que abordam esse recorte histórico direta ou indiretamente, acabam se tornando bons filmes (vide, por exemplo, “O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias” e “Batismo de Sangue”). Isso comprova que brasileiro não precisa, necessariamente, mostrar favela ou seca nordestina pra provar que conseguem fazer bons filmes. “O Que é Isso, Companheiro?” é cinema de primeira linha, feito por um dos integrantes da família mais importante do cinema brasileiro: Bruno Barreto. 

No Rio de Janeiro, em setembro de 1969, um grupo de jovens do movimento estudantil, cansados da repressão imposta pelo governo militar que vigorou no nosso país entre 1964 e 85, e sem meios de se expressar por conta da censura que a imprensa vinha enfrentando, resolve pôr em prática um plano audacioso. Intitulado Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), os estudantes aproveitam a estada de Charles Elbrick, um importante embaixador americano (interpretado por Alan Arkin) ao país para seqüestrá-lo. As exigências para o resgate são, entre outras coisas, uma carta lida em rede nacional, e a absolvição de 15 companheiros políticos, que estão sob as torturas do temível AI-5. Enquanto o plano corre com sucesso, o Governo busca de todas as formas, descobrir quem são esses jovens, que abdicaram de suas vidas para se lançarem na luta armada.

Com um elenco estelar, que traz ainda a participação do ganhador do Oscar Alan Arkin (de “Pequena Miss Sunshine”), “O Que é Isso Companheiro?” já fica em destaque por conta de seu crédito de atores. De início, chega a ser estranha a presença de Luis Fernando Guimarães e Fernanda Torres, casal de atores que são disparados um dos mais engraçados do cinema e da TV brasileira. Mas nada que uma boa caracterização não resolva. Fernanda, aliás, já se mostrou uma atriz de talento imensurável, capaz de compor personagens fortes e inesquecíveis, completamente fora do viés cômico (“Com Licença, Eu Vou à Luta” e “Casa de Areia” nos dão essa certeza).

“O Que é Isso, Companheiro” foi baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira, icônico líder esquerdista, que participou ativamente do histórico seqüestro de Charles Elbrick. O livro venceu o Prêmio Jabuti de literatura, sendo um dos trabalhos literários mais importantes de Gabeira, que hoje também é conhecido como um dos políticos mais polêmicos de sua geração, e também em um dos fundadores do Partido Verde. A versão para o cinema também conseguiu importantes êxitos. Adaptado por Leopoldo Serran (1942–2008), que também trabalhou em jovens clássicos nacionais como "O Quatrilho" (1995) e "Bye Bye Brasil" (1980), o filme chegou a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, perdendo para o holandês - e hoje esquecido - “Caráter”. Lá fora, é conhecido como “Four Days in September, aludindo à data do ocorrido apresentado no filme.

Válido para toda e qualquer pessoa interessada em uma das fases mais importantes – e cinematográficas – de nossa História, “O Que é Isso Companheiro?” mostra, da forma mais inteligente (mantendo o espectador a todo minuto interessado na história), quais as motivações desses corajosos estudantes, que fizeram todo o possível para construir um país de desbravadores. Se valeu a pena ou não, resta a nós, a atual geração, refletir e avaliar. 

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Shame [2011]


(de Steve McQueen. Idem, EUA, 2011) Com Michael Fassbender, James Badge Dale, Nicole Beharie, Carey Mulligan. Cotação: ****

Depois de assistir “Shame”, fica até meio óbvia a razão pela qual Michael Fassbender foi sumariamente ignorado pelo Oscar desse ano. Não é segredo que a Academia seja puritana (exemplos históricos estão aí para comprovar), e um filme como esse, onde o sexo é condição latente do protagonista, fica nítida a ojeriza que o filme possa ter causado entre os acadêmicos mais tradicionalistas. O que é uma pena. Não só por Fassbender, mas o filme como um todo tem uma carga a mais de charme, plasticidade e um bom trabalho de direção, que fica até chato diminuir o filme como “aquele que tem Michael Fassbender pelado e fazendo muito sexo”. Eu até peço permissão para comparar o trabalho do ator sensação de 2011 com o que Marlon Brando fez em “Último Tango em Paris”, grande clássico do mestre Bertolucci. 

O tão comentado trabalho de Fassbender foi dar vida à Brandon (Michael Fassbender), um homem aparentemente comum, trabalhando em uma empresa de negócios, que possui um amplo apartamento em uma ótima região. Mas o que Brandon não sabe, ainda, é que o fato de dar prioridade ao seu prazer sexual pode ser um problema sério. Ele se masturba o quanto pode, adora contratar prostitutas, flerta com o máximo de desconhecidas possível para garantir qualquer rapidinha e é assíduo consumidor de pornografia, a ponto de ter uma pesada coleção de revistas e DVDs, e deixar o computador do trabalho corrompido de tanto material pornográfico contido.  Ele só começa a se dar conta de uma comprovada compulsão sexual após a chegada da irmã – a problemática cantora Sissy (Carey Mulligan) - em sua casa. Desse reencontro, uma inevitável relutância de Brandon em se dar conta que o seu prazer se tornou uma obsessão.

Assistindo a “Shame”, é possível fazer todo um traçado para comparar Brandon a qualquer outro viciado em uma droga, digamos, mais devastadora, segundo a sociedade. Ele, ao encarar uma moça numa típica viagem de metrô ao trabalho, parece se deparar com o seu objeto de desejo como um chacal observa uma gazela, com um instinto animal atravessando o seu olhar a ponto incomodar a própria moça, que antes retribuía o olhar como flerte. Outra comparação possível é a própria deterioração da personalidade do protagonista, e a sua sensação de saciedade emaranhada com culpa pós-coito. Brandon é um galã, e é nítido que ele não vê dificuldades em encontrar a sua droga, já que ela é oferecida sem grandes problemas, e ainda assim, ele demonstra preferir prostitutas e sexo anônimo, em detrimento de uma relação considerada normal. Todas essas comparações e algumas conclusões só podem ser resultantes do bom trabalho de Steve McQueen, que já dirigiu Fassbender no angustiante "Hunger" (2008), e aqui trabalha com roteiro de Abi Morgan (do questionável "A Dama de Ferro").

E não dá pra deixar de dizer que Michael Fassbender está impecável no papel. O ator alemão consegue fazer algo que parece simples, mas é bem o contrário. Fazer cenas de sexo (as mais fortes possíveis), no caso de “Shame”, não pode – e nem deve - ser excitante. A linha é bem tênue. Estamos falando do drama de um cara compulsivo sexualmente que vai se degradando. E, embora o nu frontal esteja ali, de início, para chamar a atenção do público ansioso, aos poucos nos deparamos com cenas de sexo que incomoda não só os representantes da ação, mas a nós mesmos, que abandonamos a posição de voyeur para ser quase um cúmplice. Nesse quesito, são quase inseparáveis os méritos de Brandon e de McQueen. Este último, por sinal, em aspectos pontuais, sofreu do mal do cinema-artístico-pedante, com seus diálogos de efeito, uso de cores como chamariz primário (o vermelho do sangue, por exemplo), e longas plano-sequências, que me incomodou, especificamente, na cena em que Mulligan canta uma versão devagar-quase-parando de New York, New YorkzZzZzZzZz...

“Shame”, desnudo de polêmicas, é um filme com um potencial incrível, e traz Michael Fassbender capaz de arrancar aplausos, e, porque não dizer, suspiros. 

terça-feira, 8 de maio de 2012

Ganhar ou Ganhar - A Vida é Um Jogo [2011]


(de Thomas McCarthy. Win Win, EUA, 2011) Com Paul Giamatti, Amy Ryan, Bobby Cannavale, Jeffrey Tambor, Burt Young, Melanie Lynskey, Alex Shaffer, Margo Martindale. Cotação: ***

Tenho muita simpatia pelo ator Paul Giamatti. Não chega a ser uma grande estrela, e seu tipo pacato, praticamente loser, não o torna mais camaleônico, tendo que se situar em personagens até mais humanos. Pra quem ainda não viu, “Sideways – Entre Umas e Outras” (2004) é a prova de que ele cai muito bem em papéis de homens que passam por crises existenciais, tendo que se habituar em uma vida rotineira, sempre com aquela cara de insatisfação e stress. “Ganhar ou Ganhar - A Vida é Um Jogo” repete a mesma fórmula, mas num tom mais moderninho. O filme, apesar da pompa cool, no fundo chega a até ser convencional. E percebemos isso quando vemos o seu desenvolvimento calculado, mas que termina corrido e satisfatório para o senso comum.

Em Nova Jersey, Mike Flaherty (Paul Giamatti), um advogado em crise financeira, continua na tentativa de levar um time de wrestling - composto por jovens tapados e do qual é treinador – para frente. Além disso, ele vê uma oportunidade de ganhar um dinheiro extra ao se tornar tutor de um velhinho que era seu cliente, evitando assim que o Estado o mande para uma clínica de idosos. O fato é que ele acaba mandado o senhor para a clínica de qualquer forma e embolsando dinheiro. Com a chegada do neto do ancião, o jovem Kyle (Alex Shaffer), as coisas parecem ficar ainda mais encaixadas, já que o adolescente parece ser um integrante de peso para o time de wrestling dele. O que pode atrapalhar o andamento das coisas é a chegada da mãe de Kyle, que acaba de sair da clínica de reabilitação, e vai tentar retomar os laços familiares com o filho e o pai. 

Eu sempre me incomodo com uma coisa até comum em filmes e séries americanas, e parece que o filme abraçou isso com a maior naturalidade. Por que homens tão complicados quanto é o personagem de Giamatti são casados com mulheres tão perfeitinhas? Aqui, a mulher do protagonista (interpretada por Amy Ryan) é linda, compreensível, leal e sensata. Em muitos pontos, chega a ser o centro de equilíbrio de muitas situações no filme. Mesmo que seja bonito de se ver (e até concordo que isso possa existir em algum lugar), chega a ser um pouco fora da realidade, e para um filme que tenta ficar mais próximo de um drama tradicional, isso parece ser um empecilho. Claro que isso não compromete o filme como um todo, mas é um elemento que sempre me intriga.

Uma coisa boa do filme, além da história ser razoavelmente bem encaminhada, são as boas presenças de alguns coadjuvantes. A mãe de Kyle, por exemplo, é interpretada pela neozelandesa Melanie Lynskey, uma ótima atriz que foi parceira da então iniciante Kate Winslet no filme "Almas Gêmeas" (1994), um dos primeiros trabalhos de Peter Jackson, em um dos filmes que me marcou bastante. Outra aparição de destaque é a de Margo Martindale, atriz que não tem muitas chances no cinema, mas que conseguiu participações memoráveis em séries de TV como “Dexter” e “Justified”, esta última chegou a lhe render um Emmy no ano passado. Como se vê, o filme não tem só Paul Giamatti pra garantir a boa escalação de elenco.

Como já semeei ao longo do texto, “Ganhar ou Ganhar - A Vida é Um Jogo” é um filme que aposta no novo cinema que caminha a poucos passos do indie, mas que possui elementos suficientes para encaixá-lo numa dramédia convencional, dessas que existe aos montes, e que sempre escolhemos na vídeo-locadora por não ter opções melhores. Falando em home vídeo, o filme não chegou a ser exibido nos cinemas por aqui, o que significa que poucos souberam de sua existência, o que pode ser uma pena, pois o que funciona são justamente suas obviedades. “Win Win” (no original) é escrito e dirigido por Thomas McCarthy, também conhecido como ator, mas que escreveu roteiros de filmes como "Up - Altas Aventuras" (2009) e "O Agente da Estação" (2003). 

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Cinema Verite [2011]


(de Shari Springer Berman e Robert Pulcini. Idem, EUA, 2011) Com Tim Robbins, Diane Lane, Willam Belli, Thomas Dekker, Patrick Fugit, James Gandolfini. Cotação: ****

O chamado Cinema Verité (ou “cinema verdade”) sempre foi algo que atraiu muitos produtores. Mas no início dos anos 70, no pré-estabelecimento da televisão aberta numa sociedade cada vez mais consumista, unir esse conceito à televisão poderia não só ser um sucesso estrondoso, como também culminaria em uma nova categoria de programas televisivos: o reality show. Isso aconteceu na rede de televisão PBS com a família Loud. Um verdadeiro fenômeno repercutiu e levantou questões  que perduram até hoje. Até onde vão os limites da privacidade? O que nos diz respeito a vida alheia, e por que ela é tão levada ao centro da conversa? Deveríamos acreditar num “show de realidade”? 

“Cinema Verite” é mais do que um filme que apresenta essas questões da forma mais didática possível, mas é também uma grande dramatização da gênese do tal reality show, que tanta gente se diz entendido, mas que não sabe da missa a metade.

Em 1971, o produtor Craig Gilbert (James Gandolfini) busca uma típica família americana para ir adiante com a sua idéia de filmar o cotidiano dos seus integrantes, com o auxílio de uma câmera e ver qual o efeito que isso se dá nos espectadores, levando em consideração algumas experiências feitas para estudos de sociedades desconhecidas nos anos 20. Ele encontra os Louds, uma família emergente de Sta. Barbara, Califórnia, liderada pela interessante Pat (Diane Lane) e seu marido Bill Loud (Tim Robbins). A casa ainda conta com cinco filhos. Dois deles na insistência de montar uma banda de rock, duas garotas adolescentes, e Lance (Thomas Dekker), o mais controverso, que acaba de se mudar para Nova York. O dia-a-dia dos Louds deu origem a um programa de TV, que foi exibido em 12 episódios pela rede PBS em 1973, dois anos depois de uma verdadeira crise instalada entre eles, que ficou de portas abertas para o conhecimento público. 

Nesse caso real (a verdadeira família Loud chega a ser apresentada no final do filme) acendeu uma grande confusão já na sua época, sobre o olhar que os próprios americanos estavam se dando, ilustrado por aquela família que, entre outras coisas, foi acusada de ser exibicionista, desestruturada e oportunista. Craig Gilbert, que afundou sua carreira nesse projeto, poderia até ter uma idéia interessante, e escolheu uma família certeira para isso. Aparentemente sem nenhum problema, a família Loud, de cara, já possui algumas rachaduras em seu teto de vidro. Bill, o patriarca, demonstra não ser um marido fiel, e Lance, o filho mais velho, saiu da casa dos pais para extravasar sua liberdade sexual, sendo ele gay e desentendido em casa. Daí, já se vê um prato cheio para os burburinhos da população que assiste, atônita, a degradação da família vendida pelo american way of life.

Mas o que é preciso para que o programa aconteça? Afinal, esses problemas ficavam ali, sob a cegueira conveniente de Pat, sem que venham à tona. Daí que entra a intervenção de Gilbert, para que os problemas apareçam. É preciso ultrapassar os limites da intromissão e intervir diretamente no seu próprio produto. Essa é a tal da manipulação nos “shows de realidade” para que os fatos sejam inflamados. Essa intervenção do produtor/diretor e a edição muitas vezes inescrupulosa, hoje em dia, são usadas por muitas pessoas ao seu favor (é só ver exemplos das várias edições do Big Brother e afins), mas no contexto da família Loud, o que aconteceu foi uma ingenuidade extrema. A família não sabia se estava preparada para tamanha exposição. Quando se trata de tudo o que envolve figura pública, estar em evidência é estar exposto à qualquer coisa. 

“Cinema Veríté” é um bom filme justamente por encandear essas questões de forma muito bem realizada, contando com um elenco afiadíssimo, que conta com Tim Robbins (“Sobre Meninos e Lobos”), Diane Lane (“Infidelidade”) e James Gandolfini (“Os Sopranos”).  Trata-se de mais uma produção HBO, que faz questão de nos lembrar que não estamos vendo televisão, mas uma obra que se encaixa muito bem no poder qualitativo de uma obra para o cinema. E vos digo: o filme não deve em nada às produções de cinema, pois é super ágil, funciona maravilhosamente bem, tem toda uma aura setentista com sua direção de arte impecável ao som de “Little Dream of Me” de The Mamas and the Papas. Demorei pra conferir este filme que fincou três indicações no último Globo de Ouro, e revela um retrato triste de uma família que, apesar da ingenuidade, foi muito corajosa.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Sex and the City - O Filme [2008]


(de Michael Patrick King. Sex and the City, EUA, 2008) Com Sarah Jessica Parker, Kim Cattrall, Kristin Davis, Cynthia Nixon, Chris Noth, Jennifer Hudson, David Eigenberg. Cotação: ***

Grande sucesso na TV Americana, “Sex and the City” fez história ao retratar a amizade de quatro mulheres cosmopolitas na onipresente Nova York. A série de TV, baseada no livro de Candace Bushnell, e que durou 6 temporadas entre 1998 e 2004, chegou a ser levantada como um retrato das novas mulheres balzaquianas, fashionistas e workaholics. Se isso é verdade ou não, isso depende da sua visão de mundo. Eu acompanhei - se não me engano - todas as temporadas da série (assistindo episódios aleatórios), e confesso que eu me divertia mais pelo simples fato de tudo aquilo ser irreal até para as nova-iorquinas, do que por ter tomado como um olhar aproximado de uma nova abordagem das mulheres de hoje. Visto isso, esse filme soa até desnecessário por um ponto, mas muito justificável por outro, já que era uma idéia pensada desde o momento em que a série foi finalizada (demorou pra acontecer por questões de negociação de salários), e claro, para conceder a alegria dos verdadeiros fãs do programa. E eles, eu acredito, saíram mais do que satisfeitos com o que viram. 

Isso porque o filme retoma a história alguns anos após a series finale de “Sex and the City”. Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker) continua sendo uma colunista de sucesso e namorando o galante Mr. Big (Chris Noth). Só que após dez anos de relacionamento, eles decidem casar-se por uma questão de conveniência. Agora Carrie terá que mudar-se de seu pequeno apartamento, depois de viver ali por vinte anos. As suas amigas estão um pouco mais estáveis. Charlotte (Kristin Davis) está vivendo o sonho do casamento e com uma filha adotiva, a advogada Miranda (Cynthia Nixon) vive com o marido e o filho, e até a fogosa Samantha Jones (Kim Cattrall) está entregue a um relacionamento (monogâmico!) de cinco anos com um badalado modelo. Mas isso não quer dizer que não tenham seus problemas. Com exceção de Charlotte, todas elas possuem algumas pendências pessoais para resolver. E isso vai surgindo antes, durante e após a organização do casamento de Carrie, anunciada como a “última garota solteira” pela conceituada revista Vogue. 

A crise dos 40 anos nunca foi tão ridicularizada em alguns momentos. Eu, sinceramente, não acredito em discussão de valores quando os exemplos que estou vendo são mulheres que podem dar mais valor a um botox de que a um casamento feliz, ou um casamento feliz em detrimento de seus questionamentos pessoais (Charlotte vive num conto de fadas que dá pena, e dizer que NUNCA se sente triste é de uma anestesia emocional que lhe garante o título de “a resignada do quarteto”). E Carrie, que parecia ser a mais centrada de todas (já que é a mais observadora), se ilude com um casamento de holofotes, um closet gigante, e vestidos de noiva assinados pelos estilistas mais respeitados. Porém, mesmo com tanta futilidade, sim, é possível encontrar bons elementos, como, por exemplo, o tom devidamente episódico do filme. Isso, para o fã da série, é a grande sensação. E nem é preciso ver a fita para perceber isso. O diretor Michael Patrick King não tem qualquer experiência no cinema e, mesmo que tivesse, não poderia avançar mais do que o permitido em uma “adaptação”. 

O filme tem outros defeitos até gratuitos, como o preconceito com o México (nesse caso, até tem uma intenção, causar risos com uma desinteira) e com os negros. Além de reavivar as delícias de ser uma mulher rica e branca numa grande cidade, eles acrescentam uma personagem negra (interpretada pela atriz e cantora Jennifer Hudson) para servir de muleta diversificada. Ela entra, enrola, recheia a trama com mais inutilidades (ama uma bolsa de marca) e sai sem fazer falta alguma. Tudo isso pra desaguar no talvez pior defeito do filme: ser longo demais. Ter quase 2h30 de duração pode ser maçante para alguns, mas – eles de novo – os fãs nem vão sentir esse tempo passar. É importante lembrar que, a partir disso, os capítulos da série tinham vinte minutos em média. Se “Sex and the City – O Filme” queria era mesmo atingir os adoradores órfãos da série, não há mal algum nisso. É compreensível e gerou resultados, já que foi um grande sucesso de bilheteria, garantindo uma seqüência dois anos mais tarde.

E ainda dá tempo para dois avisos:

Fãs de “Sex and the City”: saibam que o filme é totalmente para você. 

Haters de “Sex and the City”: é bom saber que odiar tanto alguma coisa e, mesmo sob aviso, queira assistir o filme só pra falar mal, saiba que você também é um ser levado por uma paixão, logo, não os tornam assim tão diferente dos fãs. 

O que sobra, portanto, é um filme que não irá desvirtuar nenhuma dessas duas turmas.