sexta-feira, 27 de maio de 2011

Réquiem Para um Sonho [2000]


(de Darren Aronofsky. Requiem for a Dream, EUA, 2000) Com Ellen Burstyn, Jared Leto, Jennifer Connelly, Marlon Wayans, Christopher McDonald, Louise Lasser. Cotação: *****

Ainda em seu segundo filme, Darren Aronofsky - que já tinha surpreendido a muitos com “Pi” (1998) - conseguiu ser celebrado pela crítica e cinéfilos. As razões são óbvias. É raro um diretor surgir com um talento tão peculiar, a ponto de transpor o que ele arquiteta em sua mente de uma forma absolutamente original. Em “Réquiem Para um Sonho”, ele mergulha não no submundo das drogas, mas no mundo interno do vício, com tudo o que possa ser vinculado a ele de uma forma arrebatadora. Para quem considera o cinema um escapismo para a realidade e que se trata de puro entretenimento, este não é um filme digamos, recomendável.

No Brooklyn, Nova York, a Sra. Sara Goldfarb (Burstyn) está completamente viciada em televisão, principalmente em um game show surreal, que ela adora assistir sentada em sua poltrona e degustando seus doces. Seu filho, Harry (Leto), freqüentemente rouba a televisão da mãe para manter seu vício em heroína, sempre em companhia de seu amigo Tyrone (Wayans), e de sua namorada, a estilista Marion (Connelly), ambos também viciados. Ao receber uma ligação dizendo que participará de um programa de TV, Sara tenta emagrecer a qualquer custo, buscando saídas como inibidores de apetite “receitados” por um médico suspeito. Enquanto isso, Harry tenta de todas as formas manter o seu vício (e o de Marion).

Baseado no livro de Hubert Selby Jr. (1928 – 2004) publicado em 1978 (o escritor também é co-autor do roteiro do filme, ao lado de Aronofsky), o filme tenta adaptar muito mais do que o texto, com seus personagens e situações. De uma maneira visual e atraente, o que é perceptível na loucura instalada na mente de um viciado, seja de drogas ilícitas, ou até mesmo (ainda que de uma forma menos impactante) da compulsão alimentar. Por conta disso, “Réquiem Para um Sonho” não é um filme fácil. É um soco no estômago, com toda a potência milimetricamente calculada por Aronofsky, que agora aproveita a oportunidade de um maior orçamento (embora ainda seja um filme barato) para expandir suas técnicas.

São justamente essas técnicas empregadas pelo diretor que tornam o filme visualmente genial. O número de cortes em um filme normal varia 600 e 700, em “Réquiem Para um Sonho” ultrapassa 2000 cortes. Isso para dar uma idéia da agilidade gráfica, além dos closes angulares, a divisão da cena, a junção de diversas situações unidas por uma trilha sonora espetacular e outras facetas que somente um diretor entusiasmado poderia montar. É delirante.

Ellen Burstyn está incrível. Sua transformação é a mais notória, com seus cabelos desgrenhados e uma velhice imperdoável que obviamente não a poupou. Ela se entrega de uma maneira absurda, e a própria atriz reconhece que é este o seu melhor trabalho, que a garantiu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz, que por uma razão ainda torta, naquele ano foi parar nas mãos de Julia Roberts (premiada por seu trabalho em "Erin Brockovich"). Foi possível até nos surpreender com as performances de Jennifer Connelly (que veio a conquistar maior confiança somente após “Uma Mente Brilhante”), Jared Leto (hoje mais conhecido como vocalista da banda 30 Seconds to Mars) e Marlon Wayans (da franquia “Todo Mundo em Pânico”).

“Réquiem Para Um Sonho”, reafirmo, é barra pesada. Mas nem por isso deva ser subjugada no mundinho underground, sendo possível tomá-la como uma boa referência para exibições em escolas ou qualquer outro meio para ser mostrada aos jovens em geral.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Foi Apenas Um Sonho [2008]


(de Sam Mendes. Revolutionary Road, EUA, 2008) Com Kate Winslet, Leonardo DiCaprio, David Harbour, Kathy Bates, Michael Shannon. Cotação: ****

O casal a frente de "Titanic", um dos filmes mais rentáveis da história, volta num drama que apesar de diferente em sua temática, se torna tão trágico quanto o sucesso de 97. Dirigido por Sam Mendes, que aqui dirige sua até então esposa Kate Winslet, trabalhou de uma forma constante - já vista em seu filme de maior sucesso, “Beleza Americana” – a grande ilusão imposta no american way of life. Mas o livro homônimo de 1961 de Richard Yates tem uma atmosfera própria que valida “Foi Apenas Um Sonho” num filme muito bem alinhado, tecnicamente perfeito e um casal de protagonista no melhor momento de suas respectivas carreiras.

Em meados da década de 50, Frank e April Wheeler (DiCaprio e Winslet) levam uma vida aparentemente perfeita. Vivem numa bela casa na Revolutionary Road, uma das regiões mais nobres no subúrbio de Connecticut. Porém, Frank trabalha em um emprego do qual ele destesta por estar se tornando a figura grosseira do seu pai, enquanto April se desilude de vez com sua carreira de atriz após o fracasso imediato de sua última peça. Se dando conta da infelicidade que foi instaurada em sua vida e na de seu marido, April acredita que não deveriam se resignar pelo fato de serem pais, até que ela sugere a Frank abrir mão de tudo e partirem para Paris, um lugar dos sonhos onde ela trabalharia como secretária enquanto o marido teria finalmente tempo para encontrar sua verdadeira vocação. As únicas pessoas com quem eles contam é com um casal de amigos e a corretora da casa, Sra. Givings (Bates), que tem um filho prestes a sair de um manicômio, o matemático John (Shannon).

A grande questão tocada a fundo pelo filme é em relação às amarras sociais que permeavam a década em que se passa a narrativa. Os anos 50 foi uma época de resignação para maridos e esposas. A conversa em que April e Frank revelam aos seus amigos a intenção em ir para França sem um plano muito convencional (iriam mais pela beleza do lugar e a aventura de uma doce fuga do que necessariamente por oportunidades de trabalho) comprova o estado de surpresa de quem os ouve. Alguns vêem nesse pensamento uma irresponsabilidade até mesmo infantil. Outros até prestigiam, mas se mantém em silêncio, tentando conter um olhar por vezes invejoso. Essa inquietação em sair daquela “vidinha” rejeitada principalmente por April, se move junto com a idealização do que a Europa possa oferecer. Mover-se pela emoção sem dar ouvidos à racionalidade (afinal, o marido deve largar uma boa oportunidade de emprego e mudariam drasticamente a rotina dos filhos pequenos) deve ser recriminado? Para April, não. Ela mesma diz que “é preciso ter força de caráter não para arcar com as responsabilidades, mas para se ter a vida que se sonha!”.

Sam Mendes, um dos melhores diretores revelados no começo da década passada, trabalha a inquietação nesse ambiente de forma magistral. Aliado a um bom trabalho de edição, as revelações são feitas de formas graduais. Da maneira como eles chegaram até Revolutionary Road à introdução dos seus filhos, aumentando cada vez mais a realidade dos Wheelers. Tomadas inspiradas e uma linda fotografia ambienta a obra, sempre fazendo questão de desenvolver um tratamento mais acadêmico, pois praticamente toda a equipe são profissionais agraciados por reconhecimentos em suas respectivas áreas, como o músico Thomas Newman (indicado a 10 Oscars), o fotógrafo Roger Deakins (indicado a 9 Oscars) e o figurino de Albert Wolsky (ganhador de 2 Oscars), só pra citar alguns exemplos. Talvez o único (pequeno) defeito se encontra aqui. Afinal, ser técnico demais pode acabar comprometendo o impacto de algumas cenas, as tornando muito distantes.

Apesar do quase óbvio, “Foi Apenas Um Sonho” está para além de um filme da atuação. Mesmo com as presenças marcantes de Kate Winslet, que a cada ano se supera e confirmando seu talento nato para o drama pesado, e Leonardo DiCaprio, um ator que conseguiu - graças a boas escolhas e o acolhimento de Martin Sorsese - chegar ao grupo dos talentosos que estão sempre querendo mostrar mais do que o rosto bonito (isso nem sempre é levado em consideração). Além dos dois, Michael Shannon (indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por esse filme), em apenas duas (longas) cenas combatentes, desconstrói um personagem que mesmo sendo o “desequilibrado” da história, se torna o único consciente do problema que o casal Wheeler enfrenta, e os confronta de forma impactante. Um trabalho soberbo.

“Foi Apenas Um Sonho” é extremamente depressivo, mas capaz de suscitar uma questão relevante para época (ou quem sabe até nos dias de hoje?), além de fazer possível prestigiar o talento de atores em trabalhos magistrais.



quarta-feira, 18 de maio de 2011

Ligações Perigosas [1988]


(de Stephen Frears. Dangerous Liaisons, EUA, 1988) Com Glenn Close, John Malkovich, Michelle Pfeiffer, Swoosie Kurtz, Keanu Reeves, Uma Thurman Cotação: *****

“Ligações Perigosas” apresenta um jogo perverso: o da sedução. São raras as vezes que tramas que colocam o cinismo de seus personagens em primeiro lugar não caiam num bizarro jogo de situações forçadas. Mas nesse filme de 1988, o primeiro do inglês Stephen Frears em uma produção americana, serve como exemplo para mostrar como o cinismo pode servir como componente para rasgar elogios a uma obra que apresenta uma boa trama e um elenco formidável. Em especial John Malkovich e Glenn Close, que apresenta um dos seus maiores trabalhos no cinema, encarnando uma personagem única, capaz de vociferar uma única palavra - “war” - e torná-la uma das melhores coisas do filme.

Na França, em meados do séc. XVIII, a Marquesa Isabelle de Merteuil (Close) faz um trato com seu ex-amante, o sedutor Visconde Sébastien de Valmont (Malkovich). A proposta é a conquista de Cécile de Volanges, uma virgem que está prometida a outro ex-amante de Isabelle. Julgando ser uma tarefa fácil para ele, já que é um dos maiores galantes da região conquistando uma garota virgem que será tomada pela curiosidade, Visconde propõe algo ainda maior para sua comparsa: conquistar a bela Madame de Tourvel (Pfeiffer), uma dama casada e devota aos bons costumes. Isabelle aceita a contra-prosposta, mas com uma condição: ele deverá provar o envolvimento com Madame Tourvel por escrito. O que ele não esperava é que se apaixonasse perdidamente, e nesse jogo de sedução, onde é permitido quase tudo, muita coisa poderá acontecer.

O roteiro de Christopher Hampton, baseado na magnífica obra “Les Liaisons Dangereuses”, do francês Choderlos de Laclos (1741-1803) é sem dúvida o principal responsável pelo charme do filme, que é capaz de despertar cada vez mais a atração dos que presenciam as ardilosidades da dupla Marquesa de Merteuil – Visconde de Valmont. O livro causou escândalo quando foi lançado em 1782. Dizem que era o livro de cabeceira de Maria Antonieta. No cinema, foi exaustivamente usado como obra fundamentada, tendo além de “Ligações Perigosas”, o teen movie “Segundas Intenções” (1999) com Sarah Michelle Gellar e Reese Witherspoon, como filme mais conhecido do grande público, mas com uma linguagem incomparavelmente mais atual e livre.

As melhores cenas de “Ligações Perigosas” estão nas confabulações entre os personagens de Glenn Close e Malkovich, sem dúvidas. Ele, liberto de qualquer inibição, foi uma escolha acertadíssima para o papel do irresistível galã. E Close, mais bonita que o convencional, embora com o mesmo rosto capaz de seduzir e assustar ao mesmo tempo, nos traz cenas ótimas, algumas até cômicas, com suas caras e bocas, e falas completamente espirituosas e irônicas (“A vergonha é como a dor. Só se sente uma vez”). Uma personagem que representa como ninguém a ociosidade dos abastados da França do séc. XVIII. Afinal, se havia uma coisa que fez Laclos chocar um país inteiro, certamente não foi por conta de seu teor sexual, mas como ele mostrou um lado calculista de uma integrante da classe burguesa. Close, como se não bastasse, apresenta um final único, num desfecho que não tem outro, SÓ DÁ ela.

“Ligações Perigosas” envelheceu um pouco, é verdade. Possui o estilo inglês completamente aceitável, até porque é uma produção ligada ao tratamento britânico, e isso não está nem perto de ser algum demérito. Mas por ser tecnicamente correto demais, confirma-se assim sua maneira, digamos, mais acadêmica de se fazer cinema. Seria hoje, possivelmente, um candidato à altura para "O Discurso do Rei", tendo em mente que “Ligações Perigosas” foi lançado há pouco mais de vinte anos. Logo, é o filme excelente para o seu tempo.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Último Tango em Paris [1972]


(de Bernardo Bertolucci. Ultimo tango a Parigi, França/Itália, 1972) Com Marlon Brando, Maria Schneider, Maria Michi, Giovanna Galletti, Catherine Breillat, Massimo Girotti. Cotação: ****

Quem considera Marlon Brando um dos maiores atores que já existiu, sabe que esse mérito não provém apenas da franquia “O Poderoso Chefão”. Brando, no mesmo ano em que encarna Don Vito Corleone, surpreende a todos num dos trabalhos mais entregues de sua filmografia. Aliada a uma direção interessante de Bernardo Bertolucci, “Último Tango em Paris” conseguiu um domínio próprio pra se estabelecer como um dos filmes mais polêmicos dos anos setenta, e por que não dizer, da história do cinema contemporâneo. A razão, como quase sempre, seria o nível do teor sexual do filme. Eu diria que a provocação da obra não estaria no sexo em si, mas em como isso foi trazido nas lentes de Bertolucci através de conceitos que envolvem a misoginia, a sodomia ou até mesmo a zoofilia.

Jeanne (Maria Schneider) é uma parisiense de vinte anos que resolve alugar um apartamento. Após subornar a recepcionista de um prédio obscuro e visitar os cômodos espaçosos do apartamento ela vê que um homem já estava está ali e alugara o imóvel antes dela. Sem nem ela mesmo saber, eles acabam se envolvendo de tal maneira que passam a conviver juntos. A proposta dele é nunca revelarem seus nomes, aproveitando apenas o que o sexo poderia oferecer. Mas ao longo da projeção, sabemos que ela é uma jovem que procura uma base na vida, namorada de um aspirante a cineasta fútil, que almeja fazer um filme sobre ela, fazendo com que ela questione se o amor que ele demonstra é real ou apenas produção de cena para o tal filme. O homem misterioso é Paul (Marlon Brando), americano que vive na França, onde é dono de um hotel e recentemente perdeu sua esposa, que se suicidou na banheira de sua residência.

Ao não revelarem seus nomes, a relação que eles possuem passa a ser de uma cumplicidade mútua, e é exatamente isso que ambos estão precisando. Jeanne é uma ninfeta. Sabe que sua beleza atrevida é algo que a ajuda da mesma forma em que atrapalha para encontrar um homem ideal para a vida. Ao conhecer Paul, ela se sente até mais que atraída sexualmente. O poder de tensão é tamanho, que nem ela mesma sabe o porquê de continuar voltando no apartamento para novas aventuras. Já Paul, a morte ainda não compreendida de sua esposa faz com que ele crie certo desprezo pela figura feminina. Violento a ponto de causar medo em sua sogra, ele não se interessa mais em depositar confiança em nenhuma mulher, ainda mais quando descobre que seu casamento não era assim tão honesto quanto ele julgava ser.

Desse relacionamento, o que se pode esperar é uma crescente aproximação sentimental. Não importando se a linguagem que eles encontram inicialmente seja o sexo, os dois estão ali despidos de qualquer forma de julgamento social, pois não estão apenas entre paredes, mas também ocultando suas reais identidades, não só no nome, mas em tudo o que envolve o exterior daquele apartamento. É interessante notar a natureza violenta de Paul contrastando com o romantismo de Jeanne, que produz cenas fortes, embora boa parte das tórridas cenas de sexo serviu principalmente para causar polêmica, alvoroço. Como resultado, “Último Tango em Paris” foi capaz de formar protestos no mundo inteiro e ter suas cópias destruídas na Itália, que inclusive condenou Bertolucci por obscenidade. No Brasil, por conta da ditadura militar, os brasileiros só puderam conferir a obra quase dez anos mais tarde.

Não se trata de algo surpreendente se vermos com um olhar mais “séc. XXI”. Mas se pensar bem, cenas que envolvem sexo anal forçado contendo manteiga como lubrificante, ou a ideia nojenta de imaginar uma mulher transando com um porco, ainda podem ser espantosas. Mas é como eu havia dito, tudo isso se mostra possível na história, porém sabemos que a real intenção de Bertolucci não estava em explicitar uma natureza perturbada, principalmente da parte de Paul. Cenas como essas servem principalmente para levantar alguma polêmica, seja de cunho econômico (a fim de gerar maiores ganhos em bilheterias), ganhar fama pela ousadia ou protesto artístico. Eu, conhecendo o cinema de Bertolucci, sei que a última opção é a mais provável.

Embora tenha todo esse reconhecimento de uma obra polêmica, “Último Tango em Paris” parece envelhecido artisticamente e com um desfecho onde Jeanne age de forma contestável (e o título passe a ter sentido). Mesmo que apresente bons momentos do ponto de vista narrativo, a direção do mestre Bertolucci alcançou uma evolução magnífica depois da obra, o que deixa esta mais lembrada pela trilha sonora inesquecível do saxofonista Gato Barbieri e na apreciação que abriu esse texto: que é o talento de Marlon Brando. Apenas na cena em que ele conversa com sua esposa já no caixão já é suficiente para ter a certeza de que o cara foi um dos maiores atores de sua época. E isso se faz incontestável.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A Centopéia Humana [2009]


(de Tom Six. The Human Centipede - First Sequence, Holanda, 2009) Com Dieter Laser, Ashley C. Williams, Ashlynn Yennie, Akihiro Kitamura. Cotação: *

Custo a acreditar que um filme como esse tenha causado tanta controvérsia (mesmo que passageira) por aí. Vendido como um terror incrivelmente gore e com boatos de expectadores enojados que não conseguiram continuar assistindo ao longa, pipocaram e renderam ao título certo burburinho. Mas o que era pra ser uma bizarrice acaba se tornando um “terror” absolutamente previsível. E se isso não bastasse, é previsível com o agravante de tentar enrolar com seus vários minutos de cenas improdutivas, um elenco tão ruim que chega a dar pena e uma produção amadora. E não me convence a desculpa de que é “um projeto com a intenção de ser ou parecer pequeno”.

Lindsay (Ashley C. Williams) e Jenny (Ashlynn Yennie) são duas garotas norte-americanas em passeio pela Europa. Na Alemanha, ao tentar ir a um clube noturno, o carro delas quebra em meio à penumbra de uma estrada inóspita. Com medo e sem ter a quem pedir auxílio, elas vão ao único lugar avistado: uma casa no meio da floresta. A residência é do Dr. Heiter (Dieter Laser), renomado cirurgião que dopa as duas moças. Ao acordarem, elas presenciam o discurso do cientista, que apresenta seu projeto inovador e outrora usado como experiência nos seus três rottweilers já mortos. O médico pretende unir agora três humanos através do tubo gástrico, ligando a boca de um no ânus do outro, para assim formar uma espécie de trigêmeos siameses, ou a “centopéia humana” do título.

Com uma idéia dessas, o diretor e também roteirista Tom Six quis provocar a repulsa dos que assistirem - sob os avisos dos riscos – a um filme assustador. Incompetente ao extremo, Six passa longe de produzir algo no mínimo apreensível. O enxame de clichês é absurdo. O momento em que as garotas (prováveis protagonistas) empacam com o carro quebrado, se vê a partir daí uma seqüência de dar vergonha. As atrizes são ruins de dar pena e as situações saturadas como o celular fora de área, a chuva, a escuridão, o desespero, os faróis de um carro desacelerado e os gritinhos irritantes, só não são mais preocupantes por conta da ausência de uma trilha sonora convincente. Aliás, os choramingos das atrizes farão o papel da trilha sonora indigesta ao longo de todo o filme.

Não consigo entender por que raios escolheram um personagem japonês para fazer a terceira vítima do cientista. Não sei se é pela extrema bravura oriental (que será desenvolvido porcamente no terceiro ato), mas se não for isso, fico ainda sem saber a razão. A tentativa de comunicação não é de grande valia, mas ainda é gasto um tempo dispensável entre uma conversa dele e o Dr. Heiter, que na verdade é alemão e pressupõe-se que não saiba nada de japonês.

E por falar no doutor, o ator Dieter Laser, que dá vida ao “profissional”, é provavelmente o melhor trabalhado dentre o elenco. O que NÃO É um elogio, tendo em vista a absoluta falta de talento do casting. Seu rosto (que de algum modo me lembrava o Fábio Jr. em todas as vezes em que ele aparecia) é expressivo e assustador, mas ainda passa longe de um Jingsaw da vida. Porém, o começo promissor de um personagem que beirava o absurdo (o que garante pelo menos a simpatia do público) dá lugar a uma série de exageros faciais que servem de caretas mal intencionadas.

"A Centopéia Humana" é um fracasso no que se propõe a fazer. Não funciona como terror (apesar de saber que em algum mundo paralelo alguém se assuste com isso), como suspense ou até mesmo uma fita sádica. Não funciona em basicamente nada, e a minha esperança ao ver o filme era de que tudo explodisse e ponto: créditos finais. Mas se isso fosse de fato acontecer, que pelo menos não enrolassem 1h30m pra resolver aquilo. E o pior, tudo isso é apenas uma “primeira seqüência”. Uma grande primeira bomba.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A Rosa Púrpura do Cairo [1985]


(de Woody Allen. The Purple Rose of Cairo, EUA, 1985) Com Mia Farrow, Jeff Daniels, Danny Aiello. Cotação: ****

Woody Allen não é egoísta a ponto de não fazer uma obra com uma visão romântica e feminina. "A Rosa Púrpura do Cairo" é mais uma demonstração das nuances de um diretor que é capaz de embarcar em projetos que para ele são desafiadores. Mas não se trata somente de um filme romântico com uma protagonista frágil e igualmente romântica. Há a força da relação entre o cinéfilo e seu objeto de adoração: a sétima arte. Allen quer destrinchar essa relação tão estranha - e ao mesmo tempo tão convidativa - que a é do espectador e seu filme preferido, o personagem que ele tanto admira, etc. Além de ter, é claro, críticas emaranhadas à indústria do cinema e um exemplo digno sobre o que é escapismo.

Durante a Grande Depressão, no inicio da década de 30, Cecília (Mia Farrow) leva uma vida sofrida em Nova Jersey. Trabalha duro numa lanchonete para sustentar seu marido desempregado, Monk (Danny Aiello), que passa os dias vadiando com amigos, bebendo e a traindo, além de bater nela. Sua válvula de escape é ir ao cinema sempre que possível para ver filmes românticos. Ela tem ido repetidas vezes assistir A Rosa Púrpura do Cairo, onde relata a história de um casal que faz uma expedição às pirâmides do Egito e se depara com o arqueólogo Tom Baxter (Jeff Daniels), que procura a tal rosa púrpura, um objeto lendário e valioso. Ao ver o filme pela quinta vez, Cecília é surpreendida pelo próprio Tom Baxter, que sai da tela do cinema para declarar seu amor a ela. Isso causa um grande alvoroço dentro do filme (que sem o personagem não tem continuidade), na cidade e entre os distribuidores do filme.

A grande sacada de Allen aqui é trabalhar a relação existente entre cinema enquanto objeto de amor e seu espectador mais devoto. Cecília é o exemplo do que torna o cinema muito mais do que entretenimento, sendo uma maneira de suavizar seus problemas, desbravar sua imaginação (percebam uma diferença grande com alienação) e fazer com que aquela película não fuja de seu pretexto inicial, que é entreter. Muitas vezes, a indústria parece esquecer a função de um filme. É cada vez mais comum vermos em cartaz verdadeiros caça-níqueis sem nenhum propósito em prol da arte, ou no pior dos casos, subestima a inteligência alheia. Mas, para bem ou para mal, o cinema ainda é a forma de expressão artística mais válida quando se trata de afetar quem a assiste de maneira totalmente eficaz, produzir senso crítico, convidar às discussões, desde que a pessoa esteja aberta à experiência.

"A Rosa Púrpura do Cairo" não traz apenas essa questão. É um filme que trata do escapismo de forma natural, mas SEM SER escapista. É um filme sobre amor, com uma visão feminina, emocionante até. É de uma delicadeza que nos faz amar ainda mais o cinema. Funciona como uma comédia também. Enquanto o herói do filme sai para conhecer o mundo real, os atores do filme ficam sem ter o que fazer, a não ser matar o tempo e conversar com quem os assiste. Os produtores já imaginam a confusão que irá ser se todos os Tom Baxters de cada cinema em que está sendo exibido seu filme resolvam fugir. O ator Gil Sheperd (também Jeff Daniels), que dá vida ao personagem, tem que fazer o fictício voltar ao filme antes que ele atrapalhe sua imagem, e com isso, sua carreira.

O filme é um presente que Woody Allen dá à sua até então esposa, Mia Farrow. E não só. É um presente para todos nós, mais do que fãs de Woody Allen, verdadeiros amantes do cinema.