sexta-feira, 27 de maio de 2011

Réquiem Para um Sonho [2000]


(de Darren Aronofsky. Requiem for a Dream, EUA, 2000) Com Ellen Burstyn, Jared Leto, Jennifer Connelly, Marlon Wayans, Christopher McDonald, Louise Lasser. Cotação: *****

Ainda em seu segundo filme, Darren Aronofsky - que já tinha surpreendido a muitos com “Pi” (1998) - conseguiu ser celebrado pela crítica e cinéfilos. As razões são óbvias. É raro um diretor surgir com um talento tão peculiar, a ponto de transpor o que ele arquiteta em sua mente de uma forma absolutamente original. Em “Réquiem Para um Sonho”, ele mergulha não no submundo das drogas, mas no mundo interno do vício, com tudo o que possa ser vinculado a ele de uma forma arrebatadora. Para quem considera o cinema um escapismo para a realidade e que se trata de puro entretenimento, este não é um filme digamos, recomendável.

No Brooklyn, Nova York, a Sra. Sara Goldfarb (Burstyn) está completamente viciada em televisão, principalmente em um game show surreal, que ela adora assistir sentada em sua poltrona e degustando seus doces. Seu filho, Harry (Leto), freqüentemente rouba a televisão da mãe para manter seu vício em heroína, sempre em companhia de seu amigo Tyrone (Wayans), e de sua namorada, a estilista Marion (Connelly), ambos também viciados. Ao receber uma ligação dizendo que participará de um programa de TV, Sara tenta emagrecer a qualquer custo, buscando saídas como inibidores de apetite “receitados” por um médico suspeito. Enquanto isso, Harry tenta de todas as formas manter o seu vício (e o de Marion).

Baseado no livro de Hubert Selby Jr. (1928 – 2004) publicado em 1978 (o escritor também é co-autor do roteiro do filme, ao lado de Aronofsky), o filme tenta adaptar muito mais do que o texto, com seus personagens e situações. De uma maneira visual e atraente, o que é perceptível na loucura instalada na mente de um viciado, seja de drogas ilícitas, ou até mesmo (ainda que de uma forma menos impactante) da compulsão alimentar. Por conta disso, “Réquiem Para um Sonho” não é um filme fácil. É um soco no estômago, com toda a potência milimetricamente calculada por Aronofsky, que agora aproveita a oportunidade de um maior orçamento (embora ainda seja um filme barato) para expandir suas técnicas.

São justamente essas técnicas empregadas pelo diretor que tornam o filme visualmente genial. O número de cortes em um filme normal varia 600 e 700, em “Réquiem Para um Sonho” ultrapassa 2000 cortes. Isso para dar uma idéia da agilidade gráfica, além dos closes angulares, a divisão da cena, a junção de diversas situações unidas por uma trilha sonora espetacular e outras facetas que somente um diretor entusiasmado poderia montar. É delirante.

Ellen Burstyn está incrível. Sua transformação é a mais notória, com seus cabelos desgrenhados e uma velhice imperdoável que obviamente não a poupou. Ela se entrega de uma maneira absurda, e a própria atriz reconhece que é este o seu melhor trabalho, que a garantiu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz, que por uma razão ainda torta, naquele ano foi parar nas mãos de Julia Roberts (premiada por seu trabalho em "Erin Brockovich"). Foi possível até nos surpreender com as performances de Jennifer Connelly (que veio a conquistar maior confiança somente após “Uma Mente Brilhante”), Jared Leto (hoje mais conhecido como vocalista da banda 30 Seconds to Mars) e Marlon Wayans (da franquia “Todo Mundo em Pânico”).

“Réquiem Para Um Sonho”, reafirmo, é barra pesada. Mas nem por isso deva ser subjugada no mundinho underground, sendo possível tomá-la como uma boa referência para exibições em escolas ou qualquer outro meio para ser mostrada aos jovens em geral.

8 comentários:

  1. Eu achei Réquiem um filmaço, digno de Aronofsky, digno de uma aula perfeita sobre o mundo do vício, mas como falou não é um filme qualquer. Seu poder sobre o espectador é muito intenso e em mim foitão intenso que penso que este é um filme que: ou não verei jamais ou verei num futuro bem distante.

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  2. Que fale sobre vícios, drogas e dependências este é o melhor dentre todos. Aronofsky, cada vez mais se superando!

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  3. Já é um fato incrível um diretor fazer um dos melhores filmes que já vi, como Aronofsky fez com Cisne Negro. Mas fazer 2 filmes que estão nessa lista é um fato único. Só Aronofsky mesmo. O ritmo frenético e as atuações são do nível da direção, e não há filme melhor para se falar do mundo das drogas com tanto efeito como Réquiem. Desculpe, Trainspotting, mas é a pura verdade.
    Abraços, gostei do seu texto, capta bem o filme.

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  4. Réquiem é inesquecível. Lembro que assisti e não consegui dormir a noite toda, absolutamnete perturbador. melhor filme sobre drogas ever e talvez o melhor do Aronofsky. E como a Ellen Burstyn foi perder o oscar pra Julia Roberts?

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  5. Eu só vi RÉQUIEM PARA UM SONHO uma vez, anos atrás, e foi marcante mesmo -- meu primeiro encontro com Aronofsky. Sua abordagem visceral ultrapassa grandes interpretações dos atores; ela está, você mencionou, nos cortes rápidos, na trilha assombrosa, nos closes, na agilidade da trama. Não podia ser para menos: é mesmo absolutamente impactante.

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  6. Realmente não consigo gostar das esquisitices de Aronofsky. Sou muito mais Cronenberg ou mesmo Lynch.

    O Falcão Maltês

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  7. Antonio

    Prefere as esquisitices de Lynch???

    =O

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  8. "To me, watching a movie is like going to an amusement park"

    Curiosa esta afirmação de Darren Aronofsky. Mas provavelmente no “parque de diversões” que ele evoca só haverá comboios fantasmas. Isto por causa deste seu filme, “Requiem For A Dream”. Nas muitas dezenas de anos que já levo a ver cinema, este terá sido dos poucos filmes que me conseguiu afectar negativamente. Honra lhe seja feita por isso. De momento só me lembro de mais um título que me deu assim um murro valente na boca do estômago, o “Saló” do Pasolini. Mas nesse havia uma justificação, que era mostrar todo o horror de uma verdade histórica, os anos do fascismo em Itália. E provavelmente não haveria outra maneira de transpor o assunto para o écran. Pelo menos eficazmente.
    “Requiem For a Dream” nem sequer tem a atenuante de ter a História por detrás. É a adaptação de um livro de Hubert Selby Jr., feita pelo próprio autor em parceria com Aronofsky. O resultado é um filme feio e grotesco, onde se encontra ausente qualquer réstea de esperança. A vida pode efectivamente não ser um sonho, mas de certeza que não é o pesadelo aqui retratado. A solidão do ser humano já é algo triste e difícil de suportar, sobretudo nos capítulos mais adiantados das nossas vidas. Adorná-la ainda mais, com laços familiares envolvendo drogas e prostituição, e elevar tudo ao coeficiente máximo do insuportável é como nos atingirem com um ferro em brasa.
    Na galeria das personagens não existe uma só capaz de nos despertar a mais pequena simpatia, desde as decadentes residentes do lar de idosos até aos funcionários hospitalares, passando pelos apresentadores e público televisivos. Apenas conseguimos sentir alguma comiseração por Sara Goldfarb. Mas nem a brilhante interpretação de Ellen Burstyn (nomeada muito merecidamente para o Oscar de Actriz Principal) consegue salvar este filme do lamaçal.
    Nas minhas preferências musicais, que são muitas e variadas, há um género ausente que visceralmente detesto, o chamado “hip-hop”. É assim a técnica de filmar de Aronofsky – planos rapidos e múltiplos, frames acelerados, distorções da imagem. E tudo isso mostrado numa repetição ad-eternum, como se fosse um longo video-clip de uma qualquer banda do "hip-hop". Nos cerca de 100 minutos que dura o filme o espectador só tem direito a um quarto de hora de descanso, o tempo do diálogo de Sara Goldfarb com o filho. Em tudo o resto é literalmente bombardeado com todo aquele caleidoscópio de imagens e sons, o que se torna extremamente cansativo, para não dizer exasperante.
    Eu vi o filme porque me foi referenciado como sendo algo belissimo. Não o é. Pelo contrário, é hediondo e repelente. “Requiem For a Dream” não é um filme que se aconselhe a ninguém de boa fé. Nem aos optimistas que, como eu, farão tudo para o esquecer rapidamente, nem muito menos aos pessimistas, porque neste caso haverá o sério risco de em seguida darem um tiro nos miolos ou irem-se atirar para debaixo do comboio mais próximo. Não viria grande mal ao mundo se “Requiem For a Dream” fosse apenas, em linguagem fílmica, a negação do Cinema. Mais grave é ele ser, em última análise, a negação da própria Vida.

    O Rato Cinéfilo

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