segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos [1988]


(de Pedro Almodóvar. Mujeres Al Borde de un Ataque de Nervios, Espanha, 1988) Com Carmen Maura, Antonio Banderas, Julieta Serrano, María Barranco, Rossy de Palma, Fernando Guillén. Cotação: *****

Ao final dos anos 80, Pedro Almodóvar era conhecido como um diretor que subvertia as tendências do cinema com filmes que seguiam uma linha mais underground, e agradava, principalmente, a vanguarda ou o público efeminado que o venerava. Até que em 1988, ao lançar “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”, Almodóvar carimbou o seu passaporte para os EUA, caindo nas graças de críticos americanos, levando até indicação ao Oscar de filme estrangeiro do ano seguinte (perdeu para o dinamarquês "Pelle, o Conquistador"), e dando início ao seu reconhecimento mundial.

O filme segue uma linha mais teatral, ao contar a história de Pepa (Carmen Maura), uma atriz de televisão e dubladora, que é abandonada pelo seu amante Iván (Fernando Guillén), através de um recado na secretária eletrônica. Iván manteve um relacionamento com ela por anos, mesmo sendo casado com uma mulher desequilibrada que acabou de sair de um sanatório. Sem saber como lidar com o abandono, viciada em remédios para dormir e querendo encontrar o ex-amante para cobrar melhores satisfações, Pepa resolve vender seu apartamento. Até que recebe a visita do filho de Iván, Carlos (Antonio Banderas) e sua noiva, a amiga Candella (María Barranco), que está em apuros por ter se envolvido com terroristas xiitas, e da ex-rival.

Com toda essa confusão de situações – que Almodóvar cria com uma maneira muito bem conduzida – acaba resultando em um filme híbrido, com o melodrama e o bom humor que funciona em todos os momentos que resolve aparecer. As inquietudes femininas, mostradas através de todas as personagens mulheres da trama, são traduzidas com uma mão que sabe o que faz. Almodóvar viria a comprovar por anos a fio, essa sua sutileza com a alma das mulheres, e isso sem perder a veia cômica. Em cenas onde é mostrada um comercial ficcional de um sabão em pó estrelado por Pepa e muitas confusões com gaspacho batizado com sonífero, estão ali inserções do lado mais sagaz do diretor espanhol, que faz com que tudo seja muito bem dosado.

Outra característica sua que enriquece “Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos” e que ele também nunca deixou de lado, é aquele clima de mundo pequeno, onde as circunstâncias acabam encontrando uma forma de unir todos os personagens, sem que isso pareça algo descabido. Além do que o título já evidencia, filmes de Almodóvar tem que conter aquela dose de desespero feminino, que se encontra em separado do melodrama teatral. Falando em teatro, o título acabou sendo adaptado por Jeffrey Lane e Yazbek David para um musical da Broadway em 2010, com temporada prevista até janeiro de 2011, mas o fracasso foi tão grande, que rolou até antecipação do fim das encenações.

Querer adaptar Almodóvar para o teatro pode até não ser uma idéia fora do comum, já que seus filmes possuem um atmosfera pequena, que facilita a transposição para os palcos, mas a sutileza de seu texto é algo bem mais complexo de ser subentendido numa peça. Almodóvar abusa de seus elementos visuais através de sua estética kitsch, suas cores vivas e quentes, e a mistura que é, ao mesmo tempo, ambiciosa e delicada ao tratar simultaneamente o melodrama e a comédia.

Serve como um bom começo para conhecer a filmografia de Almodóvar.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

A Pele que Habito [2011]


(de Pedro Almodóvar. La Piel Que Habit, Espanha, 2011) Com Antonio Banderas, Elena Anaya, Marisa Paredes, Jan Cornet, Roberto Álamo, Eduard Fernández, Blanca Suárez. Cotação: *****

Foi com grande alegria que fui conferir este novo filme de Pedro Almodóvar, quem - segundo muitos - estava se redimindo por “Abraços Partidos”, que chegou a ser considerado decepcionante (mas que eu particularmente gostei bastante). Surpresa maior foi ver a fila quilométrica no cinema. O filme nem estava em sua semana de estréia, mas mesmo assim, todos estavam cientes de que se tratava de mais uma possível bizarrice do diretor espanhol. Isso me encheu de orgulho, afinal, Almodóvar estava enchendo uma sala de cinema, em pleno shopping center, com gente de tudo o que é faixa etária (acima de 16 anos, é claro).

“A Pele que Habito” contou com presença no Festival de Cannes de 2011, tendo concorrido a Palma de Outro (perdeu para “A Árvore da Vida”, de Terrence Malick), e vem, mais uma vez, trazendo discussões que Almodóvar incita de uma forma única.

A trama é daquelas que, quanto menos você sabe, melhor. O filme precisa ser redescoberto, explorado às cegas. Mas farei uma breve introdução, apenas para apontar um mote. Antonio Banderas (após anos sem trabalhar com Almodóvar por causa de uma briga interna) interpreta Robert Ledgard, um renomado cirurgião plástico que perdeu a esposa em um acidente de carro. Solitário, só tem a companhia de Marília (Marisa Paredes), que cuida de sua casa, e mantém em cárcere uma misteriosa mulher, Vera (Elena Anaya), que serve como cobaia para Robert testar uma pele sintética (intitulada Gal), que poderia ter salvado sua esposa.

Antes que qualquer coisa, “A Pele que Habito” é um grande mosaico de situações. Em primeiro plano, é preciso descobrir o que une as intenções de Robert – um Frankenstein moderno – e o mistério em torno de Vera. Afinal, quem seria essa mulher? E qual sua relação com a esposa morta de Robert? Ou com sua filha? Ou até mesmo com Marília? Estas e outras questões vão condensando praticamente todo o primeiro ato do filme, e repito, quanto menos você souber as respostas destas perguntas, mais proveitoso será o restante da obra.

Antônio Banderas, que sempre considerei um dos atores mais canastrões da atualidade, usa seu ar de sedutor de uma maneira mais maquiavélica. O seu personagem, de tão improvável, acaba ganhando um contorno elogiável. E quanto mais o personagem envereda para o antiético, mais ficamos interessados por ele. Já Marisa Paredes, recorrente colaboradora de Almodóvar, infelizmente não está com toda aquela presença que já vimos em filmes como “Tudo Sobre Minha Mãe” e “A Flor do Meu Segredo”, mas é reservada a ela uma cena fantástica, na qual ela diz que a loucura só pode estar entre suas entranhas.

Almodóvar ainda brinca com algumas referências visuais no próprio filme, como quando uma personagem assiste de relance um tigre capturando um veado na televisão (essa cena também se mostrará numa parte trágica da história, mas em outro contexto), e ao ver Robert manuseando seu bonsai. Uma interpretação direta a esta cena seria a forma como ele brinca de transfigurar a natureza, não esquecendo também de sua profissão e suas finalidades na história.

Enfim, trata-se de mais uma grande obra de um dos diretores mais talentosos ainda vivo. Mesmo que o filme não seja um roteiro inteiramente seu – é baseado na novela "Tarântula", do escritor francês Thierry Jonquet (1959-2009) – e seja bem menos colorido, chegando a ser um tanto quanto dark. Almodóvar vai costurando fatos com primazia, e ao final, acaba tornando seu filme em outro ainda mais surpreendente. A grande conclusão disso tudo não poderia deixar de ser outra senão dizer que o cara sabe como contar uma história.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Confiar [2010]


(de David Schwimmer. Trust, EUA, 2010) Com Clive Owen, Catherine Keener, Liana Liberato, Jason Clarke, Viola Davis, Chris Henry Coffey, Noah Emmerich. Cotação: **

Pouca gente sabe, mas o ator David Schwimmer, mais conhecido como o intérprete de Ross no seriado “Friends”, um fenômeno dos anos 90, também é diretor de cinema, tendo trabalhado, inclusive, em mais de um filme. Impressiona também a falta do que falar nesse filme, embora tenha, em boa parte de seu tempo, um desvio que poderia muito bem funcionar em outros aspectos. Mas “Confiar” passa uma imagem forte de Super Cine, aquela sessão de filmes da Rede Globo que se passa nos fins de sábado, com aqueles dramalhões datados e com cara de filmes feitos pra TV.

Annie (Liana Liberato) é uma colegial típica, com seus problemas de aceitação. Apesar de ser bonita e  envolvida nos esportes, ela sente-se excluída na escola (certamente por ser tão infantilizada pela família, acaba se tornando uma sonsa). Após ganhar um notebook do seu pai no dia de seu aniversário, o seu refúgio acaba se tornando os bate-papos virtuais. Até que ela conhece um homem misterioso, que acaba a convidando pra sair. Revelando ser um homem mais velho, o destinatário da garota acaba a levando para um motel e tirando-lhe a virgindade. Os pais de Annie, Will (Clive Owen) e Lynn (Catherine Keener), não conseguem acreditar no escândalo que aconteceu a querida (e ingênua) filha, envolvendo até o FBI na história.

Por mais completo que seja esta sinopse acima, eu não cheguei a revelar nada de muito comprometedor na história, afinal, a trama é exercida em outros pontos. Após o encontro entre Annie e seu “amigo” virtual, o protagonista de “Confiar” passa a ser o pai da garota, que fica atônito com o acontecido e passa a prestar atenção ao fato de que ele vive num mundo onde a exploração da imagem do juvenil como sedutor, hoje em dia, é algo não só comum, como já virou um status. E é justamente nesse ponto em que “Confiar” se eleva um pouco no meu conceito, mesmo que o filme insista em voltar para a atuação penosa (embora não seja a coisa mais grave) de Liana Liberato.

O que mais me incomodou também foram as constantes pegadinhas sem fundamento, e o pior, pontas soltas. Soltar pistas falsas não chega a ser algo de todo o ruim em um filme, desde que caibam na proposta de uma obra. “Confiar” pareceu ser, acima de tudo, um drama familiar, mas a insistência do roteirista Robert Festinger (do ótimo "Entre Quatro Paredes") e de seu colega Andy Bellin em tramar um caso policial acabou não causando um efeito mais determinado. Querer abarcar drama com suspense criminal é um compromisso que deve ser muito bem dosado.

Para se ter uma idéia, em todo o filme, eu esperei por algum elo entre um parente da protagonista (que sai de casa para ir pra faculdade) e um amigo do pai dela. São dois personagens que, além de não mostrar a que vieram, soaram como encheção de lingüiça. Além de outras situações para causar ansiedade no espectador, que, por se tratar TAMBÉM de um mistério envolvendo o crime, não posso revelar. Mas já adianto que algumas coisas acontecem no encontro entre criminoso e vítima que estão ali apenas para premeditar o nada!

Mas nem tudo é derradeiro. Viola Davis, mesmo mal aproveitada no papel de psicóloga, consegue mostrar que é uma atriz que tem uma presença marcante, enquanto Clive Owen, que deveria ser de vez o protagonista do filme, confirma sua competência num papel que está na medida do seu desempenho. “Confiar” está longe de ser um filme de grande valia, mas a causa disso não é por se tratar de um tema que já é tão discutido: proteger os filhos dos males da internet.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Bastardos Inglórios [2009]


(de Quentin Tarantino. Inglourious Basterds, EUA, 2009) Com Brad Pitt, Mélanie Laurent, Christoph Waltz, Eli Roth, Diane Kruger, Daniel Brühl, Michael Fassbender, Mike Myers. Cotação: *****

Após o estrondoso fracasso de “À Prova de Morte”, lançado como parte do projeto “Grindhouse” em companhia de seu amigo Robert Rodriguez, Quentin Tarantino tratou logo de se redimir, e tirou da gaveta um projeto que ele arquitetava há alguns anos. “Bastardos Inglórios” é mais um exemplo de que o diretor é invencível no termo “cinéfilo inveterado”. Os louros não vieram apenas por conta da crítica e de público (conseguiu ótimo rendimento nas bilheterias, mesmo sendo um filme pouco falado em inglês), mas também com a Academia. Tarantino volta a marcar presença no Oscar, algo que não acontecia desde quando ainda era um novato, com “Pulp Fiction – Tempo de Violência”, de 1994. 

Não é para tanto, já que estamos falando de um filme onde judeus arrebentam cabeças de nazistas. Isso pra a academia – majoritariamente composta de judeus – já é um deleite.

Durante a 2ª Guerra Mundial, na França ocupada por alemães, Shosanna (Mélanie Laurent), a dona de um cinema parisiense, esconde sua verdadeira identidade. Ela é a única sobrevivente de uma família dizimada pelo Coronel Hans Landa (Christoph Waltz) há alguns anos antes. Por conta da paixão do herói de guerra Fredrick Zoller (Daniel Brühl), ela estuda uma chance de vingar-se pelo massacre de sua família. Enquanto isso, o americano Aldo Raine (Brad Pitt) lidera um grupo de oito judeus resistentes, obcecados por matar e escalpelar oficiais nazistas. A fama do grupo – chamado de “bastardos” – chega até ao afetado Adolf Hitler e aos ingleses, que envia o crítico de cinema Archie Hicox (Michael Fassbender) para auxiliar na matança dos oficiais.

Tarantino explicita aqui o que há de mais característico em suas obras. Além da óbvia estruturação em capítulos na narrativa, e ter o tema “vingança” como principal argumento, o diretor se utiliza de inúmeras referências cinematográficas para abarrotá-las em seu filme. Essa coisa de tomar dos outros para construir o próprio dá um texto à parte para discussão. Particularmente, não acho que isso seja algo pernicioso, desde que as referências sejam feitas com a plasticidade que poucos diretores conseguem. Tarantino é quase um exemplo único nessa arte, com suas alusões até óbvias em alguns momentos (Aldo Raine = Aldo Ray + John Wayne) e outras que só inveterados como ele reconhecerão (como os wilhelm scream que ele utiliza por mais de uma vez).

O que me intrigava – e por um lado até me surpreende vindo de Tarantino – era aquela supremacia do herói americano. Os “bastardos” eram compostos por norte-americanos que faziam a justiça com as próprias mãos pela simples vontade de combater o mal da guerra, representado também pela figura de Hitler, que aqui ganha um tratamento exagerado, caricato mesmo. Por outro lado, Tarantino não deixa de dar uma tirada com os próprios compatriotas, como quando uma personagem alemã questiona indignada: “Sei que parece ser uma pergunta boba, mas vocês americanos não sabem falar outra língua senão o inglês?”. Por conta desse fato, uma das melhoras cenas desse filme está numa situação onde um grupo de americanos tem que se passar por italianos. Ver Brad Pitt pronunciando “arrivederci” é IMPAGÁVEL.

Mas um personagem acaba roubando o filme quase que completamente. Hans Landa, que na história é conhecido como “o caçador de judeus”, é uma das únicas figuras presentes em todos os capítulos da história. O que prova que Tarantino sabia do poder do personagem, montado sem aquela visão maniqueísta que os outros alemães do filme ganharam. Somente Hans Landa para soltar frases como “eu sei de tudo o que um ser humano é capaz quando abandona a dignidade" para ser aquele cara que amamos odiar nos filmes. Landa é interpretado de maneira magistral pelo ator austríaco Christoph Waltz com falas em inglês, francês, alemão e italiano. Waltz acabou, merecidamente, faturando o Oscar de melhor ator coadjuvante em 2010.

“Bastardos Inglórios” é o Tarantino de sempre, ousando um pouco mais. E nós, cinéfilos e fãs do cara, sabemos que apenas ele pode nos proporcionar misé-en-scene sem deixar de ser popularesco e artístico ao mesmo tempo.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Jackie Brown [1997]


(de Quentin Tarantino. Idem, EUA, 1997) Com Pam Grier, Samuel L. Jackson, Robert Forster, Bridget Fonda, Michael Keaton, Robert De Niro, Michael Bowen, Chris Tucker. Cotação: ***

No decorrer deste que é o filme mais renegado de Quentin Tarantino, eu não entendia o porquê de tantas restrições quanto a ele, além de amargar o título de mais fraco de toda a (curta) filmografia do diretor. A história é boa, me deixou totalmente envolvido na trama, embalado na incorrigível trilha sonora e amando os caras da história. Ao ver uma cena mostrada sob várias óticas de três personagens, minha descrença em tantas críticas negativas ao filme aumentou ainda mais. Por que “Jackie Brown” é tão mal visto? 

Foi no terceiro ato que me dei conta de que Tarantino deixara bastante a desejar.

Jackie Brown (Pam Grier) é uma aeromoça que, após ser presa por porte de drogas ao trabalhar para o traficante de armas Ordell Robbie (Samuel L. Jackson), é obrigada a trabalhar como informante da polícia, que está a fim de pegar o tão falado criminoso que a fez ficar detida. Liberta por Ordell através do pacato Max Cherry (Robert Foster), Jackie também tenta se acertar com Ordell contando com planos para que possa transitar suas finanças clandestinas, mesmo que os federais estejam em sua cola. Mal sabe ele que Jackie possui astúcia suficiente para dar golpes em ambos os lados em que ela possa estar.

O principal adendo que não dá para deixar passar nesse filme é que Tarantino está inteiro somente na direção do filme. O roteiro, apesar de ser dele, foi baseado na novela de Elmore Leonard, intitulada "Rum Punch". E para endossar ainda mais essa questão, é indispensável dizer que Tarantino e Leonard possuem visões de narrativas bem diferentes, o que deixa o filme com uma distância bem grande das inconfundíveis “batutas tarantinescas” (é feio dizer isso, mas faltou um termo melhor para ilustrar o que vemos com tanta primazia em filmes como “Pulp Fiction” e “Kill Bill I”, por exemplo). Quase não há homenagens diretas sobre produções que Tarantino venera, nem grandes diálogos cotidianos, apesar de algumas tentativas válidas, que ele sabota para manter a verborragia de Leonard.

Pam Grier, ex-diva do cinema blaxploitation, ganha a vez de protagonista num filme de peso. Ela já havia sido citada em uma obra anterior de Tarantino (“Cães de Aluguel”), com certo ar de homenagem. Aqui ela faz um ótimo trabalho, participando inclusive da trilha sonora, com a música "Long Time Woman", uma gravação de 1971. O ator Robert Foster, apesar da indicação ao Oscar de coadjuvante, está singelo demais no papel. Mas o grande figuraça é mesmo Samuel L. Jackson. Completamente à vontade na pele do temeroso Ordell Robbie, Jackson, com seus cabelos compridos e cavanhaque trançado (idéia do próprio), parece se divertir como nunca neste trabalho.

“Jackie Brown”, ao longo de seus 154 minutos, soa longo demais, a ponto de causar cansaço. O que é de se estranhar num filme de Tarantino, mas é ao menos assistível, além de ser divertido em mais da metade da projeção. Válido também adquirir a trilha sonora, que talvez seja, senão a melhor, uma das mais caprichadas de Tarantino.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Cães de Aluguel [1992]


(de Quentin Tarantino. Reservoir Dogs, EUA, 1992) Com Harvey Keitel, Tim Roth, Michael Madsen, Chris Penn, Steve Buscemi, Quentin Tarantino, Lawrence Tierney. Cotação: *****

Quentin Tarantino é um cineasta que surgiu no momento certo. No início dos 90, o cinema americano passava por uma grande crise criativa, o que acabou dando espaço para o surgimento de jovens que tinham o desejo de se mostrarem. Curiosamente, o ano de 1992 não foi o ano do pontapé somente para Tarantino (no mesmo ano, seu grande amigo Robert Rodriguez debutava com “El Mariachi”), mas no caso do primeiro, ele conseguiu o título de grande prestígio. Ainda era um atendente de videolocadora quando foi descoberto, através de um roteiro que basearia um filme pequeno, com um orçamento irrisório, filmado em apenas um mês, e que mais tarde, seria considerado um dos melhores filmes de assalto da história. Detalhe: um assalto que nem chega a ser mostrado de fato.

Um grupo de gângsteres planeja um grande assalto a uma joalheria. Com um plano quase perfeito, o chefão Joe (Lawrence Tierney) reúne um grupo de homens que são chamados por seus coloridos codinomes, como por exemplo, Mr. White (Harvey Keitel), Mr. Orange (Tim Roth), Mr. Blonde (Michael Madsen) e Mr. Pink (Steve Buscemi). Mas uma possível traição faz com que o plano dê errado, com comparsas baleados ou mortos. Num armazém, eles se reúnem após o fracassado assalto para tentar descobrir o que deu errado, e quem seria o tal traidor do grupo. Tudo através de flashbacks.

Só mesmo em “Cães de Aluguel” é possível vermos um grupo de engravatados discutindo sobre a metáfora de “Like A Virgin” – primeiro grande sucesso de Madonna -, a real validade de dar gorjeta a uma garçonete ou sobre quaisquer outros devaneios cotidianos. Tarantino já impõe uma de suas principais características logo na sequencia inicial de seu primeiro filme. Cena que, por sinal, tem ele como voz principal. Dali em diante, ele dá uma verdadeira aula de originalidade, principalmente no que diz respeito à construção de roteiro (seu talento como diretor viria a ser mais bem creditado com “Pulp Fiction”, filme de dois anos mais tarde). O sucesso foi reconhecido através de festivais em Toronto, Sundance e Estocolmo.

Os personagens são bem delineados, sempre sendo compostos através de suas principais características, como o sarcasmo de Blonde, o desespero de Pink e os gestos amigáveis de White. Nesse ponto, isso ajuda ainda mais para a abordagem do que teria acontecido no assalto. Somente com narrações, Tarantino é capaz de recriar a ação que nem chegamos a ver como simulação. Isso é puramente técnica.

No elenco, além dos veteranos Harvey Keitel e Lawrence Tierney (ótimos), Tim Roth desponta um dos trabalhos mais convincentes de sua carreira, regado com muito grito e sangue. É também uma oportunidade de ver o papel mais proeminente de Chris Penn, irmão de Sean Penn, que faleceu em 2006 aos 41 anos, em decorrência de problemas cardíacos. O filme (que também tem uma trilha sonora brilhante, assim como em todos os filmes de Tarantino que viriam a seguir) também virou uma peça teatral de grande sucesso nos EUA.


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Meia-Noite Em Paris [2011]


(de Woody Allen. Midnight in Paris, EUA/França, 2011) Com Owen Wilson, Rachel McAdams, Kurt Fuller, Michael Sheen, Carla Bruni, Alison Pill, Corey Stoll, Kathy Bates, Marion Cotillard, Adrien Brody. Cotação: ****

Trata-se, até agora, da maior bilheteria de Woody Allen nos EUA e também aqui no Brasil, o que acabou dando a ele maior jovialidade e um retorno às manchetes, algo que vinha ameaçando acontecer desde “Vicky Cristina Barcelona” (2008) e acabou desfalecendo com os questionáveis “Tudo Pode Dar Certo” (2009) e “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos” (2010). O fato é que “Meia-Noite Em Paris”, filme que abriu o Festival de Cannes de 2011, merece todo o hype que recebeu. Não chega a ser uma grande novidade na filmografia de Allen, até porque o tema já é algo retratado por ele há mais de vinte anos, além das já costumeiras voltas que ele dá longe de sua tão querida Nova York. Após Barcelona e Londres, chega a vez dele se instalar em ares parisienses.

Gil (Owen Wilson) é um roteirista da indústria de Hollywood que passa uma temporada em Paris em companhia de sua noiva, a fútil Inez (Rachel McAdams), aproveitando a ida dos pais dela. Apaixonado pela década de 20, ele acredita que morar na capital francesa poderá trazer mais inspiração para terminar seu romance. Entre passeios em museus e degustação de vinhos, ele se vê cada vez mais conectado ao lugar, até que ao pegar carona numa meia-noite passageira, ele vai parar em uma festa à la anos 20, dando de cara com grandes figuras dessa época, como F. Scott e Zelda Fitzgerald (Tom Hiddleston e Alison Pill), Ernest Hemingway (Corey Stoll) e Cole Porter (Tves Heck), além de poder ter a oportunidade de entregar seu manuscrito para ninguém menos que Gertrude Stein (Kathy Bates) ler. Entre idas e vindas para o século em que ele é apaixonado, acaba se envolvendo com Adriana (Marion Cotillard), uma jovem que só namora artistas em ascensão.

Os fãs de Woody Allen reconhecerão na hora que esse tema já foi maravilhosamente retratado em “A Rosa Púrpura do Cairo” (1985), com Mia Farrow usando sua fantasia para fazer com que o personagem de um filme que ela venera saia da tela do cinema e a convide para adentrar na sua história. Tanto lá quanto aqui, além da apologia que ele faz à arte como forma de entendimento da vida, também é encontrada uma crítica às formas de artes que não absorvem conhecimento, somente fazendo algumas pessoas pedantes, com direito a caricatura do pseudo-intelectual (como o personagem de Michael Sheen). Em “A Rosa...”, a crítica se direciona à própria indústria do entretenimento.

Quem não conhece boa parte dos nomes que Gil encontra em “Meia-Noite Em Paris”, acaba perdendo ainda mais a oportunidade de degustar as tiradas que Allen faz, além de deixar passar batida a maioria das referências. Eu, inclusive, não estava familiarizado com importantes figuras como o desenhista Henri Matisse (1869-1959), e as escritoras Djuna Barnes (1892-1982) e Alice B. Toklas (1877-1967), tendo, a partir daí, a oportunidade de conhecê-los. Mas me diverti mesmo foi com um dos melhores momentos do filme: a conversa de Gil com os surrealistas, representados por Pablo Picasso (1881-1973) e Luis Buñuel (1900-1983), cada um apresentando sua visão de mundo.

Owen Wilson, que foi extremamente subestimado por ser um ator que na maior parte de sua carreira não se importou em ser chamado de medíocre, não faz feio mesmo tentando seguir os trejeitos de Allen, que institui seu estilo com as grandes conversas em grupo (geralmente entre dois casais). Já Rachel McAdams me faz acreditar que ela deve ter um dos melhores agentes de toda Hollywood, já que não possui carisma e aqui está completamente canastrona, apesar da personagem megera. As participações da primeira-dama da França Carla Bruni, que deu o que falar, ficou minguando em cerca de três cenas que acabaram sendo esquecíveis.

Encantando a todos com uma belíssima “moral da história”, que prefiro guardar para não estragar a surpresa, Woody Allen prova que, mesmo cansado e criticado, ele ainda pode surpreender em criatividade e lucro. O que impressiona ainda mais.