quarta-feira, 4 de maio de 2011

A Rosa Púrpura do Cairo [1985]


(de Woody Allen. The Purple Rose of Cairo, EUA, 1985) Com Mia Farrow, Jeff Daniels, Danny Aiello. Cotação: ****

Woody Allen não é egoísta a ponto de não fazer uma obra com uma visão romântica e feminina. "A Rosa Púrpura do Cairo" é mais uma demonstração das nuances de um diretor que é capaz de embarcar em projetos que para ele são desafiadores. Mas não se trata somente de um filme romântico com uma protagonista frágil e igualmente romântica. Há a força da relação entre o cinéfilo e seu objeto de adoração: a sétima arte. Allen quer destrinchar essa relação tão estranha - e ao mesmo tempo tão convidativa - que a é do espectador e seu filme preferido, o personagem que ele tanto admira, etc. Além de ter, é claro, críticas emaranhadas à indústria do cinema e um exemplo digno sobre o que é escapismo.

Durante a Grande Depressão, no inicio da década de 30, Cecília (Mia Farrow) leva uma vida sofrida em Nova Jersey. Trabalha duro numa lanchonete para sustentar seu marido desempregado, Monk (Danny Aiello), que passa os dias vadiando com amigos, bebendo e a traindo, além de bater nela. Sua válvula de escape é ir ao cinema sempre que possível para ver filmes românticos. Ela tem ido repetidas vezes assistir A Rosa Púrpura do Cairo, onde relata a história de um casal que faz uma expedição às pirâmides do Egito e se depara com o arqueólogo Tom Baxter (Jeff Daniels), que procura a tal rosa púrpura, um objeto lendário e valioso. Ao ver o filme pela quinta vez, Cecília é surpreendida pelo próprio Tom Baxter, que sai da tela do cinema para declarar seu amor a ela. Isso causa um grande alvoroço dentro do filme (que sem o personagem não tem continuidade), na cidade e entre os distribuidores do filme.

A grande sacada de Allen aqui é trabalhar a relação existente entre cinema enquanto objeto de amor e seu espectador mais devoto. Cecília é o exemplo do que torna o cinema muito mais do que entretenimento, sendo uma maneira de suavizar seus problemas, desbravar sua imaginação (percebam uma diferença grande com alienação) e fazer com que aquela película não fuja de seu pretexto inicial, que é entreter. Muitas vezes, a indústria parece esquecer a função de um filme. É cada vez mais comum vermos em cartaz verdadeiros caça-níqueis sem nenhum propósito em prol da arte, ou no pior dos casos, subestima a inteligência alheia. Mas, para bem ou para mal, o cinema ainda é a forma de expressão artística mais válida quando se trata de afetar quem a assiste de maneira totalmente eficaz, produzir senso crítico, convidar às discussões, desde que a pessoa esteja aberta à experiência.

"A Rosa Púrpura do Cairo" não traz apenas essa questão. É um filme que trata do escapismo de forma natural, mas SEM SER escapista. É um filme sobre amor, com uma visão feminina, emocionante até. É de uma delicadeza que nos faz amar ainda mais o cinema. Funciona como uma comédia também. Enquanto o herói do filme sai para conhecer o mundo real, os atores do filme ficam sem ter o que fazer, a não ser matar o tempo e conversar com quem os assiste. Os produtores já imaginam a confusão que irá ser se todos os Tom Baxters de cada cinema em que está sendo exibido seu filme resolvam fugir. O ator Gil Sheperd (também Jeff Daniels), que dá vida ao personagem, tem que fazer o fictício voltar ao filme antes que ele atrapalhe sua imagem, e com isso, sua carreira.

O filme é um presente que Woody Allen dá à sua até então esposa, Mia Farrow. E não só. É um presente para todos nós, mais do que fãs de Woody Allen, verdadeiros amantes do cinema.

2 comentários:

  1. Nunca vi, mas já ouvi falar bastante. Ele está no topo da minha lista e minha expectativa para ele está imensa, só aumentando cada vez que leio algo sobre ele. Ótimo texto, abraços.

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