quarta-feira, 1 de junho de 2011

Vermelho Como o Céu [2006]


(de Cristiano Bortone. Rosso Come il Cielo, Itália, 2006) Com Luca Capriotti, Marco Cocci, Simone Colombari, Francesca Maturanza, Paolo Sassanelli. Cotação: ****

O cinema italiano já nos provou que existem meios de garantir a aceitação pública da forma mais honesta possível. Conhecer a história Mirco Mencacci, um dos editores de som mais respeitados do Cinema italiano já denota um filme praticamente pronto. E foi ao conhecê-lo na produção de seu filme “Sono Positivo”, de 1999, que o diretor Cristiano Bortone decidiu, de uma forma orgânica e tradicional, levar a história do então colega para as telas. O resultado, com todos os ingredientes dramáticos possíveis, agradou o público de maneira geral merecidamente, pois estamos falando de um país que tem cacife para trabalhar emoção, superação e cinefilia de forma carismática. Não tem como não agradar.

O drama de Mirco Mencacci (aqui interpretado pelo jovem Luca Capriotti) teve inicio no verão de 1970, quando ao manusear um velho rifle de seu pai (em uma cena que já mostra uma tragédia anunciada), sofre um acidente que o deixa cego. Na época, as crianças nessas condições não eram aceitas em escolas tradicionais, até que os pais de Mirco não encontram outra escolha a não ser enviá-lo ao centenário Instituto religioso somente para garotos deficientes visuais. Inconsolável por não poder mais ir ao cinema (era fã assumido de faroestes) e ter que aprender a viver em uma nova realidade, Mirco conta com a amizade da filha de uma funcionária, Francesca (Maturanza), as aulas do professor Don Giulio (Sassanelli) e um velho gravador usado para descobrir uma nova forma de se encantar com o cinema.

Uma grande frente de discussão que o filme nos dá é a forma como as crianças do Instituto Cassioni são tratadas. Tido como um centro de referência para acolher essas crianças, o lugar é apresentado de uma forma metódica, onde os garotos passam por sacrifícios religiosos, como ter que carregar biscoitos por horas sem poder comê-los, para reter os desejos da gula; passar por aulas de tecelagem, educação física e oratória; possuir regras de comportamento e respeitar horários impostos. Se for possível dizer que existe algo positivo nesse ambiente, certamente está na forma da valorização sensorial que os meninos passam (o que deve acontecer na verdade em qualquer escola). Mirco é perguntado pelo professor: “Você tem cinco sentidos. Por que usar somente um deles?”. Inicia-se daí uma nova forma de envolver-se com a natureza, sem fazer necessário o uso da visão.

“Vermelho Como o Céu”, como disse, tinha tudo para ser mais um desses filmes edificantes que eu tenho certo desprezo. Mas, para minha surpresa, reserva bons momentos, como a bem humorada convivência entre os meninos do Instituto, a produção de uma fábula e a homenagem emocionante que o diretor Cristiano Bortone faz ao Cinema. Cinema este que foi responsável pelo renascimento de Mirco. É quase um novo “Cinema Paradiso”. Além de contar com um elenco formado por garotos que são verdadeiros achados e seqüências inspiradas, como quando Mirco explica de forma sinestésica para um colega como são as cores primitivas.

Em contrapartida, a maneira episódica como é narrada a história já demonstra a facilidade de conseguir grande comoção dos espectadores, investindo inclusive numa paixonite infantil desnecessária e uma manifestação como pano de fundo que soou desmontada na obra, embora seja importante para o desfecho e para o contexto histórico e cinematográfico, que insere o autoritarismo comum nesse tipo de produção. Isso sem contar o maniqueísmo que fica evidente na figura do gestor, que sendo também deficiente visual, ao dizer “a liberdade é um luxo, que nós cegos não podemos ter” já demonstra uma unidimensionalidade quase imperdoável, um exagero que chega até a ser bem comum em produções baseadas em fatos reais. São dramatizações, que fique bem claro.

O fato é que o público abraçou “Vermelho Como o Céu”, que obteve destaque em festivais afora, inclusive aqui em São Paulo, onde venceu o prêmio da audiência no Festival Internacional em 2006. Mas o principal mérito do filme, a meu ver (com o perdão do trocadilho), é a conclusão trazida de que “enxergar” está para além de “olhar”, e que a cegueira não deixa de possuir suas formas particulares.

3 comentários:

  1. O filme era completamente desconhecido pra mim. Excelente texto Adecoio, me eixou curioso para conferir o longa!

    Abs.

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  2. Belo texto para um belo filme. Vermelho Como o Céu é bem tocante e possui uma história muito bem aproveitada. Quando Mirco vai a um cinema após seu acidente é emocionante. E nossa, esse seu último parágrafo está excelente, dá até pra fazer uma relação bacana entre Vermelho Como o Céu e Ensaio Sobre a Cegueira.
    Abraços.

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  3. Acredita que não assisti? um absurdo, pois a premissa, a trama em si, tem todos os elementos que tanto prezo no cinema. A sensibilidade, pelo que vi no seu texto, é o foco nesse filme. Preciso ver logo, obrigado por um texto excepcional!
    abs

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