domingo, 14 de novembro de 2010

Noivo Neurótico, Noiva Nervosa [1977]


(de Woody Allen. Annie Hall, EUA, 1977) Com Woody Allen, Diane Keaton, Tony Roberts, Carol Kane, Shelley Duvall, Christopher Walken. Cotação: *****

Com sua brilhante filmografia, Woody Allen sempre encontrou uma forma de focar seus temas de maneira bem característica. Mas em meados de 1977, sua carreira sofre uma nova abordagem. Ele deixa os filmes classificados por ele de serem simples “comédias para fazer rir”, para filmar uma obra que, apesar de não abandonar sua veia cômica, iria apresentar questões inerentes de sua personalidade. Com uma leve tonalidade estética e uma crítica mordaz ao homem contemporâneo e seus feitos pouco aproveitáveis para a vida, Allen apresenta uma comédia romântica moderna que representou um marco na sua carreira pela ousadia temática nunca antes vista pelo grande público.

O filme apresenta os anos que o escritor Alvy Singer (Woody Allen) e a cantora Annie Hall (Diane Keaton) viveram juntos. Sem uma cronologia de espaço e tempo, vemos os momentos de descontração e discussões que o casal trava, sem uma forma habitual de desencadeamento de ações. Em dado momento, podemos vê-los discutindo como Alvy tende a culpar os problemas de comunicação à TPM de Annie. Em outro, vemos a forma descompromissada como eles se conheceram. Tudo muito bem montado pelo editor Ralph Rosenblum, o responsável pelo tema do filme, que inicialmente foi pensado para ser um suspense envolto a um assassinato. Mais tarde, Allen realizaria esse seu desejo filmando "Um Misterioso Assassinato em Manhattan" (de 1993), também estrelado por Diane Keaton.

Woody se comprometeu não só em apresentar um filme auto-reflexivo que fizesse as pessoas rirem, mas também de fazer utilizações antes não vistas no cinema habitual americano (com passagens que remeteriam talvez somente aos filmes alternativos europeus). Um exemplo é a utilização do split screen, uma técnica cinematográfica na qual a tela é divida em duas e ambas as cenas passam a co-existir numa mesma temática. Ele também encontra espaço para surgir, em vários momentos da história, virando-se para seu público, e dialeticamente, apresentar seus pensamentos de uma forma mordaz e hilária. Além de conversar com personagens de núcleos e temporalidades diferentes (o vemos conversar com os colegas de escola e com seus familiares enquanto eram ainda da forma como os conhecia na sua infância).

A ousadia deu certo, "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" foi sucesso entre os críticos, que sempre tiveram grande apreço pelo diretor. Foi também um sucesso avassalador de público, tendo batido recordes inimagináveis em Nova York. E as premiações seriam esperadas. No Oscar do ano seguinte, Woody Allen levou para casa a estatueta de Melhor Filme, Diretor, Roteiro (escrito juntamente com Marshall Brickman), além de ter sido indicado na categoria de Melhor Ator (um feito impensável no qual um mesmo cineasta fosse indicado nas quatro principais categorias em um mesmo ano). Diane Keaton levou seu Oscar de Melhor Atriz, logicamente bem merecido.

Apesar das negativas de Woody, a obra possui muitos elementos autobiográficos, que provém de um possível envolvimento entre ele e Diane Keaton no início dos anos 70. O nome de batismo da atriz é Diane Hall; o apelido dela era Annie; Alvy é um comediante de stand up, assim como Woody começou sua carreira; e tanto o protagonista quanto o diretor são judeus, nascidos de uma família humilde do Brooklyn.

Mas "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" está muito além da apresentação de um romance moderno. É o primeiro filme de Allen que saltam aos olhos suas reflexões sobre anti-semitismo, masturbação, drogas, morte, vida, modismos, os pseudo-intelectuais nova-iorquinos, infância, psicanálise, medos, relações abertas e muitas outras questões. Além de demonstrar mais uma vez - porém de forma ainda mais verbal - seu amor por Nova York e seu desprezo pela Califórnia (principalmente L.A.).

Sua moral está em demonstrar que a vida, sendo um dual entre o horrível e o medíocre, contém inúmeras limitações (como a morte e a perda), mas que por outro lado, possui as formas de arte (cinema, literatura, teatro, música, artes plásticas) para nos fazer suportar essas limitações. Vem daí a interpretação de como o próprio Woody Allen faz para suportar sua vida em meio às mediocridades do mundo a sua volta: fazendo seus filmes, sua arte. E nós, meros admiradores de seu trabalho, agradecemos essa forma de comunicação.

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