quarta-feira, 8 de junho de 2011

História Real [1999]


(de David Lynch. The Straight Story, EUA, 1999) Com Richard Farnsworth, Sissy Spacek, Jane Galloway Heitz, Everett McGill. Cotação: *****

Na apresentação dos letreiros de “História Real”, eu confesso ter ficado admirado com o duo Walt Disney-David Lynch. O diretor, como todos sabem, é adepto do “fazer cinema pelo bizarro”. Seus filmes contêm uma carga mórbida e absurda, que podemos ver em “O Homem Elefante”, “Cidade dos Sonhos” e na minissérie “Twin Peaks”. Por isso, ter um filme família em seu currículo não é só uma surpresa, mas também admirável por ter condições profissionais de mostrar que é possível ousar. Engraçado é que no caso de Lynch, “ousar” é ser mais convencional, entregando para nós uma obra pequena, singela e direta. Não se submete às emoções vendidas, é um exemplo do que pode se tornar uma boa história real em um filme respeitável.

Numa pacata cidade de Iowa, um estado do Centro-Oeste americano, vive Alvin Straight (Farnsworth) com sua filha Rosie (Spacek). Alvin está com 73 anos e com grandes dificuldades de se locomover por conta de seus problemas nos quadris, mas é teimoso o suficiente para recusar andadores (é um desses velhinhos americanos que lutaram na guerra e que não demonstram sinais de vulnerabilidade). Ao receber a notícia que seu irmão Lyle - com quem não fala há dez anos – sofreu um derrame, ele decide fazer uma viagem solitária de 510 km até Winsconsi, para ver seu irmão mais uma vez. Sem ter outro meio de viajar até lá (não possui carteira de motorista e não confia em ônibus), ele decide partir a bordo de seu cortador de grama. No caminho, irá se deparar com olhares admirados e se encontrar com uma grávida errante, um grupo de ciclistas e famílias dispostas a ajudá-lo.

Antes de qualquer coisa, “História Real” toma a velhice como um meio de construir uma ponte de emoção com o espectador. Alvin – interpretado de maneira BRILHANTE por Richard Farnsworth – é um homem que não gosta de estar submetido, que os outros se compadeçam com suas condições de saúde ou adversidades que terá em sua viagem. Ele quer terminar seu trajeto à sua maneira, como uma forma de engolir seu orgulho e fazer algo por uma pessoa que ele ama e que por uma década ele se manteve afastado. “O pior da velhice é lembrar-se da juventude” diz Alvin em certa altura do filme ao ser questionado sobre o lado ruim de ser velho. O verdadeiro Alvin (1920-1996), segundo sua biografia, tinha de fato essa natureza. Sua viagem, acontecida no ano de 1994, durou cerca de seis semanas.

O filme garante sua excelência na construção do personagem principal. De maneira bem dosada, são reveladas as nuances de Alvin – e QUE nuances. Obviamente, não me cabe contar o que passou em sua vida e assuntos que tratam de infelicidades e culpas. Mas essas revelações vão ser prioritárias para um belíssimo elo em que se forma entre nós e Alvin. Chega a ser extremamente poético. É claro que “História Real” exagera em certos momentos ao querer mostrar a benevolência do povo americano, sempre dispostos a ajudar seus compatriotas e abraçar uma causa tão bela como é a de Alvin. Mas esses momentos são tão orgânicos no filme, que pouco me incomodei com esse fato, apesar de ter percebido essa intenção.

Devo também dedicar um parágrafo para Richard Farnsworth. O filme é simplesmente ELE. Indicado ao Oscar de Melhor Ator em 2000 por esse filme – antes havia sido indicado em 1979 por “Raízes da Ambição” -, Richard foi capaz de entregar um trabalho digno que infelizmente se tornou o seu último. No dia 6 de outubro de 2000, ele se suicidou com um tiro na cabeça em sua fazenda no Novo México. Richard havia sido diagnosticado com um câncer terminal desde as filmagens de “História Real”. Em minha opinião, esse triste fato contribui ainda mais para a percepção de uma aura que é subsistente em Alvin e Richard.

Escrito por John Roach e Mary Sweeney (produtora constante de Lynch), “História Real” infelizmente não conquistou o reconhecimento que lhe cabia. Mas uma das grandes belezas do Cinema, é que suas obras possam ser sempre redescobertas por seus admiradores e acabam se tornando uma fita de prestígio.

3 comentários:

  1. "Engraçado é que no caso de Lynch, “ousar” é ser mais convencional, entregando para nós uma obra pequena, singela e direta."

    Concordo inteiramente.

    Não sou o maior fã do Lynch, mas esse filme está entre os meus preferidos. A atuação do Richard Farnsworth é daquelas que marcam. Eu sabia que ele tinha morrido pouco depois do filme, mas nao sabia quais eram as circunstâncias. Triste!

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  2. Todos dizem achar estranho para David Lynch, ainda não tive o prazer de conferir.

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  3. E eu que nem conhecia? Bem, já tinha ouvido falar, mas não sabia que era uma história comum de David Lynch. Já se tornou clichê esse comentário, mas é impossível não falar que quero, e muito, conferir a obra!

    []s

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