quarta-feira, 15 de junho de 2011

A Bela da Tarde [1967]


(de Luis Buñuel. Belle de Jour, França, 1967) Com Catherine Deneuve, Jean Sorel, Michel Piccoli, Geneviève Page, Pierre Clémenti. Cotação: ****

O sexo, academicamente falando, é uma prática natural e que deve ser respeitada em toda a sua expansão, pois não há limites para e não consta ‘anormalidade’, desde que a vontade das duas partes seja respeitada e que seja mantida a integridade de ambos. O que reprime o sexo é, sem sombras de dúvidas, a sociedade. É através dessa questão tão convidativa para a discussão que Luis Buñuel se utiliza de seu surrealismo característico para enlaçar o fetiche, algo que é representado tanto por ele (através de suas maneiras de trabalhar) quanto pela personagem principal.

Séverine (Deneuve) é uma jovem de 23 anos. Casada com o cirurgião Pierre Serizy (Sorel), ela é frígida sexualmente por conter uma apreensão social fortíssima. Ao saber que uma conhecida sua virou uma “dama de companhia”, satisfazendo desejos masculinos e ganhando dinheiro, Séverine fica atordoada com essa possibilidade. Vai então a procura de Madame Anais (Page), uma mulher sofisticada que mantém um apartamento aberto para visitas de homens finos em busca de companhias femininas (não sei porque, acho anacrônico dizer “programas”, mas enfim, dá no mesmo). Batizada de “Bela da Tarde”, por ficar apenas no período vespertino disponível no recinto de Madame Anais (os cabarés característicos da França, com suas luzes vermelhas e mulheres burlescas já não são comuns após o fim da Segunda Guerra), Séverine consegue destaque, o que poderá complicar ou ajudar sua relação íntima com o marido.

Baseado na novela de Joseph Kessel (1898-1979), “A Bela da Tarde” é um mergulho na consciência da personagem Séverine, que foi levada ao encantamento do sexo vendido por conta de sua atração pela mão forte masculina e sua passividade (nos seus pensamentos eróticos, ela sempre está submetida ao sexo forçado com estranhos). É atitude que apesar de extrema, se torna seu meio de satisfação imediata. A obra muitas vezes pode ser confusa para os que não aceitarem que tudo ali se trata ora das ações de Séverine, ora a consciência dela. Em algumas cópias, as legendas do filme chegaram a ser formatadas em itálico para diferenciar o que era realidade e o que era a consciência da personagem. Uma afronta para a inteligência e capacidade de reflexão do espectador, que afeta diretamente na força do enigmático desfecho da obra.

“A Bela da Tarde” não poderia ter tido um diretor melhor. Buñuel é um idealizador da mente humana convicto. Só ele poderia passear pelo interior feminino de maneira tão elegante e alucinadora. Sua característica mais marcada nesse filme é definitivamente os takes de pés femininos (ele é um podólatra convicto), funcionando como agrado para evidenciar a beleza de Catherine Deneuve, que está deslumbrante. O filme tem um quê de Nelson Rodrigues, aliás, é uma obra que certamente está ligada no processo criativo do dramaturgo brasileiro, mesmo que indiretamente. É daqueles filmes que mesmo tendo sido realizado há décadas, ainda é capaz de enaltecer a sexualidade de forma muito atraente.

5 comentários:

  1. É sem dúvidas, um grande e excelente filme. É um desses que sempre revejo, pois sempre descubro algo novo sobre a trama e a personagem principal.

    E aquele final? Que final é aquele?
    Posso ver um milhão de vezes, mas nunca me vêm nada que possa 'sacramentar' aquilo...

    []s

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  2. Buñuel e Deneuve, que mistura mais deliciosa, só me falta assistir. Aliás, onde eu já ouvi falar desse A Bela da Tarde? Sei que alguém já comentou comigo, mas não me lembro...

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  3. Um grande filme, A Bela da Tarde, assim como a maioria dos filmes de Bunuel. O Discreto Charme da Burguesia e O Anjo Exterminador também são dois bons exemplares da ousadia desse diretor.

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  4. Preciso revê-lo. Saudades de Catherine, saudades de Pierre Clementi, saudades de Piccolli...

    O Falcão Maltês

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  5. Gabriel (acima, rs), eu que comentei contigo, rs.

    Esse filme é um marco, retrata bem o poder da sexualidade e, também, a necessidade desse senso para a humanidade. Belo texto, Jr!

    abraço

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