terça-feira, 20 de março de 2012

O Porco Espinho [2009]


(de Mona Achache. Le Hérisson, França, 2009) Com Josiane Balasko, Garance Le Guillermic, Togo Igawa, Anne Brochet, Ariane Ascaride, Wladimir Yordanoff. Cotação: *****

Acabei descobrindo esse filme por acaso, ao fuçar na internet alguma coisa pra assistir e matar o tempo de uma tarde de sábado. Fiquei atraído pela interessante sinopse, que remonta uma adaptação feita pela então estreante Mona Achache, baseando-se no livro "L'élégance du Hérisson" (conhecido aqui como “A Elegância do Ouriço”), obra de 2006 da professora de filosofia Muriel Barbery, que se tornou um grande sucesso literário em vários países. O que descobri, na verdade, foi um filme excelente, que não descontrai de uma forma escapista. Durante todo o tempo, a obra (aqui eu não desvencilho o que é mérito do filme ou do livro) tem uma aura provocativa que não tem como ficar isento das questões que cercam a protagonista mirim. E dessas questões, surge uma grata surpresa.

Paloma (Garance Le Guillermic) é uma retraída garotinha que mora em um prédio de classe média alta em Paris. Inteligentíssima e com um apurado senso de realidade, ela apresenta sua família com um leve tom de sarcasmo para um documentário que ela está filmando. O fato é que ela determinou que no dia em que completará 12 anos, ela vai cometer suicídio. Até lá, Paloma segue documentando sua vida (e a de todos que a cercam), ao mesmo tempo em que tenta descobrir o que é, de fato, a vida e em como ela pode ser tão trivial a ponto de não evitar a morte. Ela acaba construindo uma relação de proximidade com Renée (Josiane Balasko), a desconfiada zeladora de seu prédio. A chegada de um novo residente, o japonês Kakuro (Togo Igawa), também será um fator determinante para o desenvolvimento da nova sintonia entre Paloma e Renée.

Sabe aquele famoso provérbio de que fulano acabou sendo mordido pela pulga do questionamento? Pois é, Paloma está inquieta justamente porque está questionando um fato iminente de nossas vidas: a morte. Estar obcecada com isso a torna ainda mais pensante, fazendo com que insista na pergunta “O quão efêmera é a vida?”, e chega, inclusive, a teorizar o seu recém adquirido conhecimento, respondendo a sua pergunta se utilizando do peixe dourado de sua irmã mais velha para construir uma metáfora. Para Paloma, a vida nada mais é do que um aquário, onde estamos determinados a viver naquele espaço, para no final das contas, acabarmos em um saco plástico. Mesmo sendo tão difícil responder as questões de Paloma (afinal, se trata de uma criança obcecada por temas que não são direcionadas à sua faixa etária), ela acaba elaborando a sua própria filosofia. E é exatamente essa a saída que tanto deveríamos priorizar nas nossas vidas e na educação dos jovens, ainda na infância de cada um.

Os demais personagens também são, de algum modo, seres pensantes. Em dado momento, a mãe de Paloma conversa com pessoas que não estão lhe dando atenção, dizendo que ela pensava que todos nós tínhamos um dado limite de palavras a serem ditas no decorrer de nossas vidas. Quando finalmente acabasse a nossa cota de palavras, já seria hora de padecer, e por isso, ela falava o mínimo possível quando jovem, para poupar a sua cota de palavras, e por conseqüência, viver mais. Isso é filosofia. A zeladora, de outra maneira, não apresenta uma teoria em busca de respostas, mas relativiza a sua filosofia de vida. É solitária, mas sempre terá a companhia de sua biblioteca pessoal (é uma amante da leitura), e tem consciência de que se recolher à sua insignificância por ser zeladora é o bastante para que as pessoas a respeitem por conveniência, mas no fundo, é uma pessoa desconsiderada. Para ela, “se uma pessoa respeitada morre, se torna um causo importante. Mas se for um zelador, é algo do cotidiano”. Acho que essas pequenas e sorrateiras amostras de que os personagens são ao mesmo tempo comuns e filósofos (do modo mais descompromissado da palavra) é o mais gratificante no filme.

O cinema europeu não faz questão de agradar a maior parcela de público no desfecho dos filmes (como o norte americano insiste em fazer, ou seja, colocar a opinião da maioria em primeiro lugar), e por isso, o final de “O Porco Espinho” não é algo esperado. Sabemos que vamos nos surpreender, embora seja obrigatória uma conclusão no mínimo satisfatória. E isso acontece de uma maneira brilhante. [Spoilers a seguir]. A resposta que Paloma desenvolve, dada a fatalidade que acontece à Renée, é de que pouco importa querer adiantar a sua própria morte, cometendo um suicídio que não responderá nada, porque o que está em jogo não é o que é a morte, ou onde realmente estamos quando essa hora chega, mas sim o que estamos fazendo. Renée, no seu falecimento, estava “pronta para amar”. Só isso já torna “O Porco Espinho” um filme absolutamente didático e arrasador. Lindo mesmo. [Fim dos spoilers]

Certamente será uma obra de grande utilidade para mim em uma futura aula expositiva.

2 comentários:

  1. desconheço o filme, mas irei procurar saber.

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  2. O porco espinho é um grande filme.. e essa busca por respostas passa pela cabeça de todos nós, sem chegar a nenhuma conclusão.

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