quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A Liberdade é Azul [1993]


(de Krzysztof Kieslowski. Trois Couleurs: Bleu, França / Polônia / Suíça, 1993) Com Juliette Binoche, Benoît Régent, Florence Pernel, Charlotte Véry. Cotação: *****

Liberdade é uma palavra que certamente nos remete a algo bom. Por essa razão, se torna quase  incompreensível ver um filme que carrega tanto no título quanto no lema da Revolução Francesa um mote tão triste e perturbador. Falando a título de curiosidade, a palavra em inglês "blue" se refere à cor, mas também ao sentimento de melancolia. E é nessa última concepção que "A Liberdade é Azul" vai trabalhar, mas não de uma maneira tão entregue. Contém inúmeras referências psicológicas e filosóficas nesse trabalho de Krzysztof Kieslowski, que abre a sua Trilogia das Cores, uma homenagem aos ideais da bandeira francesa, e que é precedido pelos filmes "A Igualdade é Branca" e "A Fraternidade é Vermelha".

O filme mostra a dor de Julie (Juliette Binoche, em talvez seu melhor trabalho no cinema), única sobrevivente do acidente de carro que mata seu marido e sua filha de apenas cinco anos. Traumatizada, ela tenta sem sucesso se suicidar. Ela vê então que a única forma de se libertar de sua dor é livrar-se de tudo o que remete a sua família, abrindo mão da casa, dos objetos e passando a viver num apartamento do subúrbio. Porém, uma orquestra inacabada que fora encomenda ao seu falecido marido – que era um compositor erudito – faz com que ela descubra que não há como fugir de suas descobertas e sentimentos que tanto evitara.

Como dito, tratar de liberdade com tanto drama pode parecer incompreensível de início, mas a libertação de Julie está justamente no momento em que ela se vê sem sua família, sozinha e deprimida. Sua rota de fuga, um inteiro desvencilhamento de suas coisas, de tudo o que lembrava sua família, se mostra fracassada quando ela conclui que nada adianta fugir do sentimento de profunda tristeza. As relações humanas com as quais ela passa a ter, pouco irão suceder uma nova vida. Ela sempre será a mesma mulher que, segundo ela mesma diz, é “tão normal quanto as outras, que transpira, que tosse e que tem cáries.”, porém, sua revolta está justamente em não conseguir fazer o considerado natural: chorar.

Tecnicamente falando, "A Liberdade é Azul" é perfeito. Uma verdadeira aula que o cinema europeu – em especial o francês – sempre mostra com propriedade. A fotografia azulada demonstra que o recado foi muito bem compreendido pelo experiente Slawomir Idziak. Há toda uma utilização fotográfica que casa inteiramente com o perfil da obra, assim como a trilha sonora caracterizada por várias inserções da música parcialmente composta pelo marido de Julie, além de ser executada nos momentos das leituras da partitura, o que foi bem pensado.

De natureza extremamente triste, "A Liberdade é Azul" não pretende ensinar aos que o assiste o verdadeiro ideal defendido na Revolução Francesa, mas de forma inteiramente pessoal, uma nova forma de trabalhar a raiz dessa palavra. O filme é, tem a pretensão de ser e - o principal - consegue ter êxito no que propõe: demonstrar que a liberdade da protagonista está justamente no momento em que ela vê que a fuga que pretendia não é a melhor forma de conter seus sentimentos. Kieslowski possibilita essa questão através de uma atmosfera incrivelmente intimista e pondo em evidência o que ele deve achar algo bem empático: o semblante de Juliette Binoche.

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