quarta-feira, 6 de abril de 2011

Assim Me Diz a Bíblia [2007]


(de Daniel G. Karslake. For the Bible Tells Me So, EUA, 2007) Documentário. Cotação: *****

Esse é um daqueles documentários que julgo ser obrigatório para muitas pessoas, porque trata de um assunto social que está inteiramente ligado a muitos casos recentes de violência regidas por questões de homofobia. E foi justamente por conta desses eventos que resolvi escrever sobre esse filme que eleva essa questão sob uma justificativa de cunho religioso. A razão é clara: a homofobia é um mal que é plantado - na maioria das vezes - na Igreja, por aqueles que se dizem os verdadeiros leitores da Bíblia. Enganam-se quem pensa que “Assim Me Diz a Bíblia” uma crítica à religião. Não é esse o ponto. A intenção do diretor é, através de entrevistas com pais de homossexuais, cientistas e líderes religiosos, criticar a forma equivocada como é lida as Escrituras. E como a ignorância e o engano podem trazer a repulsa pelos homossexuais.

A idéia de entrevistar casais que tenham filhos homossexuais e devotos de diversas Igrejas (são católicos, protestantes, luteranos, batistas, etc.) foi muito acertada. Eles são as maiores provas do modo como são feitas as discussões dentro da Igreja em relação à minoria sexual. Nem é preciso ir muito longe pra saber que a Bíblia serviu como uma arma para subjugar negros, judeus e mulheres. E enquanto esses três grupos exemplificados já se encontrão, na maioria das vezes, isentos do ódio que cristãos sentem, sobrou para os gays a dura acusação de serem ou praticarem ABOMINAÇÃO, uma palavra que, de fato, se encontra na Bíblia, mas inserida em um contexto histórico-cultural que os cristãos parecem ignorar completamente. Isso sem contar as interferências de vocabulários e transliterações que são objetos de estudo há centenas de anos. Ou seja, essa tentativa de mostrar que existe uma “leitura errada” da Bíblia não é algo recente, mas é um processo que vem sendo tratado historicamente há muitos anos.

As perguntas iniciais são inevitáveis. “O que diz a Bíblia sobre os homossexuais”, “Os gays terão um lugar reservado no Reino dos Céus?”, “Ser gay é uma escolha?”.

Em Levítico 20:13, lemos : “O homem que se deita com outro homem como se fosse mulher, está cometendo uma abominação”. Transcrevo apresentando o livro e o capítulo de uma passagem que até mesmo muitos dos “defensores da Palavra” não sabem onde estão, nem o que dizem de fato. No filme, há passagens de testemunhos de pessoas que afirmam não saberem onde ou o que está escrito em relação aos homossexuais, mas que sabem que existem repreensões. Alguns até colocam as palavras na boca de Jesus Cristo, que na verdade defendia a máxima de “ame ao próximo como a ti mesmo”.

Ainda em Levítico, em 19:19, lemos “Não use roupas de duas espécies de tecidos”, além de “não comam nada com sangue” (19:26), “Não cortem as pontas do cabelo em redondo e não aparem a barba” (19:27) e “Não façam incisões no corpo por algum morto, nem façam tatuagens” (19:28), e outros ensinamentos ao longo do Velho Testamento que hoje, culturalmente falando, não fazem sentido algum. Por isso é pertinente a questão: Por que os homossexuais ainda sofrem essa discriminação calcada nesses mesmos ensinamentos?

Deve-se levar em consideração que esse livro trata de uma série de instruções para os hebreus, um povo que passava por uma situação delicada, onde se tornava imprescindível o valor da procriação. O sêmen era tomado como um valor de vida. Quem o desperdiçasse (“fazer o sêmen cair por terra”) seria fatalmente castigado. E as mulheres tinham unicamente a função de procriadora. Ou seja, um homem se deitar com outro homem não se apontava como pecado por conta do ato em si, mas como um desrespeito a continuidade da procriação. Também não é visto por aí pais que vendem suas filhas, pessoas que deixam de trabalhar para guardar um dia para santificar sua fé ou se abster de sua riqueza e viver uma vida simples. Muito pelo contrário, o que se vê são pastores que despontam em listas “dos mais ricos e bem sucedidos”, liderando Igrejas que deveriam com justiça unir um “S.A.” junto ao seu nome.

Outro ponto de grande discussão é em relação à Sodoma e Gomorra, duas regiões dizimadas por Deus, que os cristãos julgam ter sido por conta da homossexualidade. A maioria maciça dos teólogos e estudiosos já defende outra causa: a falta de hospitalidade dos habitantes desses dois lugares, que adotaram a medida de se auto-preservarem por querer defender suas riquezas dos “forasteiros”. O ato bárbaro dos soldados daquela região contra dois anjos enviados serviram de estopim para a condenação do lugar. Outros cristãos irão pontuar o uso de “não natural” nas Palavras, mas em uma consulta mais cuidadosa, saberão que os judeus tomavam o “natural e não natural” como “costumeiro e não costumeiro”.

Eu sei que parece trivial apresentar sérios argumentos nesse texto, mas o próprio documentário diz que qualquer estudo mais aprofundado estará nas bibliotecas ao alcance de qualquer pessoa, assim como as pesquisas de vários órgãos ligados à psicologia, que não mais toma a homossexualidade como algo contornável, muito menos como uma escolha. Imprimir essa idéia de “escolha” e mandar um gay para a regeneração poderá causar sérios danos psicológicos ao indivíduo, que faz parte de uma dura estatística: ele está 3 a 7 vezes mais propensos ao suicídio.

O documentário ainda alça vôos para fora da questão bíblica para explicar a violência que muitos machistas têm em relação aos gays, sem necessariamente se utilizar da religião. O exemplo de um treinador humilhando seus atletas ou um sargento aos seus soldados, querendo diminuí-los como “mulherzinhas, garotinhas, etc”, já aponta a não aceitação que o homem tem ao ser comparado a uma mulher. O ódio para com a figura feminina pode comprometer o julgamento desses homens, que sofrem de misoginia e vêem no gay uma ameaça a ser combatida. (É certamente por esta razão que homens aceitem com mais facilidade a mulher homossexual).

Mas “Assim Me Diz a Bíblia” não é apenas argumentos e contra-argumentos. A boa montagem do filme e a eficácia dos depoimentos formam um conjunto muito bem apresentado. Há testemunhos de James Dobson, primeiro bispo abertamente gay da Igreja Episcopal, que enfrentou sérias ameaças de morte e acusações infundadas de atos libidinosos; o ex-deputado Dick Gephardt, que em sua campanha assumiu a filha lésbica e deu uma aula do que é o amor incondicional; e a ativista Mary Lou Wallner, que perdeu sua filha por conta de um suicídio após sérias discussões com sua mãe que não aceitava sua sexualidade.

São belas histórias de pessoas que tentaram lutar contra sua própria natureza, por serem oriundas de famílias que estavam totalmente inseridas nos valores de suas respectivas religiões. Ouviam e parafraseavam os pastores que liam as Palavras de forma literal. E essa leitura literal da Bíblia é notadamente uma semente danosa para o julgamento da sociedade, capaz de proferir guerras, culminar um apartheid, e dizimar um grupo de pessoas. O filme também não livra a cara da mídia que insiste em vender a imagem estereotipada de gays como homens afeminados ou mulheres masculinizadas.

É um documentário que faz questão de educar apresentando fundamentos, e se torna assim necessária para toda a sociedade. Para ser assistido e discutido. Elementos para isso, “Assim me Diz a Bíblia” dará até mais do que suficiente.

2 comentários:

  1. Que interessante dica, Adecio. Vou procurar vê-lo. Ontem vi "Dzi Croquettes" e fiquei emocionado.
    Abração,

    www.ofalcaomaltes.blogspot.com

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  2. Mais uma boa dica sua, q eu não conhecia. Baixei e distribui cópias aos professores q tendem a taxar homossexuais de anti-naturais.
    Obrigado.

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