quarta-feira, 20 de abril de 2011

Persepolis [2007]


(de Vincent Paronnaud e Marjane Satrapi. Persepolis, França, 2007) Com vozes de Chiara Mastroianni, Catherine Deneuve, Danielle Darrieux, Simon Abkarian, Gabrielle Lopes Benites. Cotação: *****

“Tinha perdido alguns dos meus familiares em uma revolução. Tinha sobrevivido a uma guerra. E foi uma banal história de amor que quase me matou.”

Essa frase tão simples a primeira vista é um exemplo escolhido a esmo como resultado de algumas reflexões que a personagem - e também autora - da obra foi capaz de conceber. Através de uma animação bem elaborada, a adaptação da graphic novel homônima e autobiográfica de Marjane Satrapi já é um filme completo. Com subdivisões muito bem reconhecíveis, é possível ver sua evolução como mulher em meio às turbulentas transformações políticas, sociais e religiosas do Irã.

Narrado em off por meio de suas memórias, Marjane (com voz de Chiara Mastroianni em idade adulta, e de Gabrielle Lopes Benites quando criança) apresenta sua infância no Irã, em 1978. Em seu contexto histórico, o país passava por uma série de manifestações populares que exigiam a renúncia do Xá Reza Pahlavi, tido como um dos maiores ditadores dali. Em meio a isso, a pequena Marjane, de apenas nove anos, se sente atraída pelos assuntos políticos por conviver juntamente com uma família composta de intelectuais de esquerda. De acordo com que vai crescendo, ela se sente cada vez mais subversiva, atraída pelos gostos ocidentais. Já na adolescência, seus pais decidem mandá-la para a Áustria, onde ela tomará contato com os costumes europeus e refletir sobre suas inquietudes, que culminará não só em seu retorno ao país de origem, mas também iniciará uma série de desenvolvimentos que determinará seu futuro.

A começar pelo estilo de animação, que foge completamente das produções mais causais do cinema atual, "Persepolis" adota o velho e infalível sistema em 2D que não impede o embarque no clima. Muito pelo contrário. O desenho de produção talvez seja o maior charme do longa por manter uma familiaridade direta com o trabalho do cartunista francês Vincent Paronnaud, que divide a direção da obra junto a Marjane Satrapi.

No primeiro ato, é importante analisar toda a apresentação histórica ilustrada na tela. Falar de política do Oriente Médio definitivamente não é um assunto muito degustável, e passar para os expectadores uma verdadeira dramatização nesse estudo de 1979 sem que isso pese negativamente foi um grande feito. Nesse recorte, o Irã passava pela iminente derrubada do Xá, porém, quando os iranianos pensavam que estariam livres de uma política que tivera participações da América e Inglaterra financiando esse poder através de barganhas de olho no mercado petrolífero, começaria outra fase: a dos aiatolás. As garotas seriam obrigadas a usar o véu islâmico e os rapazes a servir o país. E a guerra com o Iraque de Saddam Hussein também foi mostrada. Boa parte dessa verdadeira aula de História (em versão mais dinâmica e entendida) foi apresentada de maneira simples e intencionalmente didática pelo pai da personagem.

Sua passagem para Europa marca outra virada. Dessa vez mais introspectiva, talvez pelo sentimento de culpa que Marjane sente por ter a oportunidade de viver, de certo modo, tranqüila, enquanto seus pais ainda vivem em um verdadeiro campo de batalha. O fato é que o mundo europeu traz a ela vivências inesquecíveis. Das amizades com outras tribos à descoberta do amor. E essas mudanças se potencializam quando percebe a própria mudança corpórea por conta da puberdade. Por sinal, a seqüência onde ela narra essa mudança e outra onde ela reconta seus momentos com um garoto após passar por uma decepção (mudando um pouco as descrições dele) são geniais.

Já mulher e de volta ao Irã, Marjane demonstra ser uma pessoa completa. E é esse caminho para o amadurecimento que será delineado "Persépolis". Claro, com os devidos cuidados visuais e um bom humor que ganha a simpatia de qualquer um. Difícil não se encantar com a ingenuidade de uma garotinha que tem que interpretar o que é a esquerda, República, monarquia, anarquismo, niilismo, etc. Fora a sua imaginação que é capaz de conceber uma conversa entre Deus e Marx, e sua inclinação punk capaz de usar uma jaqueta com a inscrição “o punk não morreu” e comprar k-7 do Iron Maiden no mercado negro. E são essas particularidades que fazem de "Persepolis" uma deliciosa animação que mereceu todos os elogios e premiações que levou.

2 comentários:

  1. Também acho um filme excelente. E que, para tratar de uma história com pano de fundo tão relevante, tenha usado da animação, o resultado é ainda mais notável (na mesma linha, VALSA COM BASHIR é outra obra excepcional). 9/10

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