terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A Dama de Ferro [2011]


(de Phyllida Lloyd. The Iron Lady, Reino Unido, 2011) Com Meryl Streep, Jim Broadbent, Susan Brown, Alice da Cunha, Phoebe Waller-Bridge. Cotação: *

Um verdadeiro banho de água fria. De maneira mais resumida possível, basicamente é isso o que fica de “A Dama de Ferro”, filme que nos manteve ansiosos por longos meses a fio, só para ver mais um trabalho esplêndido de Meryl Streep, que desde o projeto inicial, acho que já apontava uma chance forte de um Oscar vindo por aí, mesmo com o recorde absoluto de outras 16 indicações, tendo ganhado apenas duas delas, e isso há quase trinta anos (!), por “A Escolha de Sofia”. Para o melhor caso, Meryl realmente está esplêndida, intocável, fenomenal... (eu poderia acabar com todos os adjetivos somente na tentativa de dar o devido valor para uma das melhores atrizes que eu conheço). Auxiliada por uma maquiagem também merecedora de prêmios, Meryl acabou aceitando um desafio que não se resume à composição de uma figura polêmica, mas pelo próprio projeto, que tem como diretora a mesma que a dirigiu na bomba que foi “Mamma Mia!” (2008). Ou seja, Meryl nadou em águas perigosas, mas acabou encontrando um bote seguro.

Eu até entendo a dificuldade que deve ser contar uma biografia, ainda mais quando o biografado ainda está vivo, mas a escolha da roteirista Abi Morgan (a mesma de “Shame”) pareceu ser uma das mais discutíveis. O filme concentra-se numa Margaret Thatcher debilitada, senil e anônima. Conversa com o marido morto e sofre pela ausência dos filhos (embora a sua primogênita tente a ajudar). Através de flashbacks amarrados de forma estranhíssima, vemos a juventude dessa poderosa mulher, ainda quando era uma simples filha de comerciantes, com a oportunidade de ouro ao ser aceita na Universidade de Oxford. Já demonstrando um grande ímpeto de liderança e um entusiasmo até então incomum para uma garota, ela vai construindo uma trilha política muito bem pensada, sempre com um ideal almejado. Até que ela chega ao histórico posto de primeira-ministra da Grã-Bretanha (a primeira e até agora única mulher a conseguir esse feito), cargo no qual ela se manteve de 1979 a 1990.

Não me impressiona o grande rebuliço que o filme vem causando, principalmente no Reino Unido. Margaret Thatcher, sendo bem justo, foi sim uma figura importantíssima para a política. E jamais diria que ela não merecesse uma cinebiografia. Muito pelo contrário, até acho que pessoas tão controversas quanto ela merecem sim a devida atenção no cinema. O que eu questiono nesse filme são os fracassos em manter uma descrição segura quanto a ela. Eu posso dizer, sem medo de nada, que se dependesse somente da obra, eu não conheceria Margaret Thatcher. Nem em sua essência, nem como figura política. O que vi foram algumas tentativas de humanizá-la, como uma idealização sentimentalóide, ao mostrá-la como uma mãe inconsolável escrevendo dezenas de cartas às famílias dos soldados mortos numa guerra (a das Malvinas) que ela mesma articulou, ou na própria demência em que ela se encontra atualmente, e que no filme, toma um tempo considerável. Até na própria imagem turrona de Thatcher, característica que a eternizou como “dama de ferro”, o filme mostrou que foi algo premeditadamente fabricado por um mentor político que a aconselhou até mesmo após sua morte.

Mas o fato que o filme não pode alterar é que Margaret Thatcher não é e nunca foi santa, e mesmo num filme onde a adorada Meryl Streep a interpreta, ela jamais poderia ser “canonizada” politicamente. Não sem antes nos atentarmos nos pontos chaves da trajetória política dela. Durante o seu mandato como premiê, Thatcher foi capaz de fazer com que o Reino Unido quase afundasse numa recessão profunda, resultado súbito de um desemprego recorde que foi resultado de sua própria (má) administração, que defasou a produção industrial, privatizou o que pôde, e tratou com a maior austeridade possível os sindicatos e greves (a mais famosa acabou sendo a dos mineiros, em 1984). Nem conter a inflação, algo que era seu grande projeto de campanha, ela conseguiu cumprir, aliás, muito pelo contrário. O que salvou a imagem de Margaret Thatcher – e isso o filme mostra devidamente – foi a sua atuação na Guerra das Malvinas, um conflito contra a Argentina em 1982, que teve um grande apelo popular entre os ingleses.

Ou seja, “A Dama de Ferro” não passa de uma biografia não-linear, sem ligações entre os variados recortes da vida de Margaret Thatcher, e não passa de um emaranhado de fatos sem maior profundidade no contexto histórico e social, somente para não dar a cara a tapa e ser mais firme na tentativa de tornar a figura Thatcher melhor trabalhada, fixando-se na idéia de que mostrá-la debilitada é o suficiente para que não nos seja mostrados os dados de sua gestão.

Resumindo, “A Dama de Ferro”, além de ser broxante, ainda é um dos filmes mais covardes que vi nos últimos anos.

3 comentários:

  1. eu particularmente não achei um filme ruim não, ao passo que sou suspeito para falar, sou apaixonado por filme britanicos, rs!

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  2. A política é uma tarefa ingrata. Geralmente, quem planta, não colhe. Thatcher teve sim um governo conturbado e economicamente difícil, mas a maioria das pessoas no UK concordam que o pulso firme da Lady em tomar as decisões necessárias foi o maior responsável pelo crescimento do Reino Unido na Era Blair. Este, por sinal, plantou divídas e deixou para os seus sucessores uma tremenda recessão. Na vida é assim, mas os tolos não percebem no presente o resultado do passado!

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  3. Assinando embaixo em tudo o que você disse...

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