sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Matrix [1999]


(de Andy e Lana Wachowski. The Matrix, EUA, 1999) Com Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss, Hugo Weaving, Gloria Foster, Joe Pantoliano. Cotação: *****

“Matrix” é daqueles filmes que já nascem pra ser considerado como “o grande filme do ano”. E de fato foi no ano em que foi lançado, mas não marcou somente o ano de 1999, como também é considerado um dos melhores filmes de toda a década de 90. Suas referências residem em todo seu trabalho técnico - que revolucionou a linguagem da ficção - e seu inteligente roteiro, lotado de referências bíblicas e filosóficas, costuradas numa trama até batida, saída da cabeça dos irmãos Wachowski. É também daqueles filmes que quase todo mundo viu, quase todo mundo adorou, mas quase ninguém se esforçou em entender. Mas se engana quem pensa que “Matrix” é complexo e sem sentido.

Eu não sei se já é mania minha, mas eu sempre parto do pressuposto de que esses filmes que os fãs geeks e undergrounds tomam como “complexos” são assim chamados apenas para garantir a prosaica inteligência dos que os adoram. Foi assim com a “A Origem”, “Amnésia” e até o episódio final do seriado “Lost”. Hermético mesmo é “O Anticristo”, “Cidade dos Sonhos” e “Magnólia”. Esses sim carecem, com razão, de real disposição do espectador para entendê-los.

Mas enfim, a questão aqui é outra, e “Matrix” não merece abstração.

Thomas Anderson (Reeves) é pacato funcionário de uma empresa de softwares, mas a noite, enclausurado no apartamento onde vive sozinho, ele vive no submundo da internet, sendo um hacker de codinome Neo. Até que um dia ele é contatado por Morpheus (Fishburne), que acredita que ele é um escolhido (“The One”). Para o quê, Neo ainda nem faz idéia. É então buscado por Trinity (Moss) para conhecer Morpheus, e a partir daí, Neo descobre que tudo o que viveu na verdade fez parte de uma ilusão, e que o mundo real precisa do escolhido (uma espécie de Predestinado) para conseguir garantir o futuro da humanidade, que duzentos anos a frente se tornou cultivo de máquinas que dominaram o mundo completamente. Se ele for o escolhido, ele poderá ser o único capaz de desviar do Agente Smith (o vírus da matrix) e salvar a todos.

Entre inúmeras explosões, cenas incríveis de helicópteros indo contra prédios, lutas de kung-fu milimetricamente coreografadas e novos conceitos de efeitos especiais, como o bullet time, que mostra, em câmera lenta, o trajeto de uma bala, enfocado um movimento de 360º graus da câmera. Julgando por suas características visuais e sonoras, “Matrix” é impecável. É tanta competência técnica, que dá pra relevar algumas artimanhas sofríveis do roteiro, como aquela idéia fajuta de que o amor é capaz de salvar (e até ressuscitar), e a seqüência de salvamento de Morpheus, que se prestarmos atenção, fica difícil aceitar que o cara saia dali sem estar mais furado que um coador, tamanho o número de balas na cena em questão.

Mas, afinal, que raios é a matrix? (Só lembrando que o resto do texto só é recomendável para quem já viu ao filme OU para quem não se importa em assisti-lo sem ter um conhecimento básico da coisa, mas evitarei spoilers).

A matrix - pra falar sem se desviar muito - nada mais é do que uma realidade criada por uma inteligência artificial, a saber, criação das máquinas que dominaram o mundo num futuro distante. Ou seja, é como se nossa vida não passasse de uma ilusão. Nem eu estou escrevendo esse texto, e nem você está lendo. Na verdade, estamos vivendo numa incubadora, servindo de fonte de energia para máquinas, que criaram a tal matrix para nos manter dormindo e distraídos. O tão comum déjà vu (aquele sensação de “eu já vivi este momento antes”) trata-se de uma falha dessa realidade criada, e somente um messias (o Escolhido) seria capaz de reconhecer todos os meandros dessa realidade, e assim, salvar a todos, os acordando para a vida real.

Isso é o que devemos saber de uma maneira geral para este filme. As seqüências “Matrix Reloaded” e “Matrix Revolutions” (ambos de 2003) vão intricar ainda mais, porém, não manteram a série no auge, nem serão tão bons quanto esse primeiro filme.

Falando também de maneira rápida a filosofia da saga, Neo é, grosso modo, o prisioneiro da Caverna de Platão que conseguiu fugir e ver a verdadeira realidade (o mundo das Idéias), o fazendo desacreditar em tudo o que ele julgava ser o real antes de sair da Caverna. Esse mito era usado por Platão como alegoria para mostrar que a nossa realidade - que tomamos como real - é apenas uma simulação (no filme, isso é a matrix), e não conhecemos as coisas, somente as recordamos (num processo de reminiscência), já que quando vivíamos num mundo das Idéias, entes de nascermos, já tínhamos conhecimento das coisas de antemão. O oráculo do filme (tão chata quanto enigmática) é referência clara ao Oráculo dos Delfos, que tinha em sua entrada a inscrição “Conheça-te a ti mesmo”.

Para Neo (e para nós, segundo a filosofia platônica) é primordial que ele conheça a si mesmo, pois assim, ele poderá conhecer detalhadamente O QUE É a matrix.

6 comentários:

  1. E cá temos um filme que eu não gosto, nunca gostei ... Mas, preciso assistir novamente para concretizar minha opinião!

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  2. Eu gosto muito do filme. O primeiro, apenas. Apesar das sequencias quase terem arranhando o brilho, Matrix continua sendo como um dos melhores de 99, que ainda teve "Clube da luta" e "O sexto sentido". Sem dúvida, um dos principais definidores do cinema tal qual "Cidadão Kane". O cinema de ação nunca mais foi o mesmo depois de tante gente voando.

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  3. Um filme que eu já deveria ter visto, mas nunca vi. E é um dos que a sinopse mais me interessou em ver. Mesmo assim, dificilmente me lembro de procurar. Quem sabe, essa semana...
    Abraços, e ótimo texto!

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  4. Faz muito tempo que vi Matrix e na época não consegui captar todas essas referências. Preciso rever a trilogia novamente.

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  5. Acho esse filme importantíssimo pela parte técnica e pelas discussões filosóficas, ainda mais as que você aprofundou.

    Só que o roteiro tem elementos muito fracos. Além do "amor salva tudo" citado por você, tem esse conceito de "escolhido" que é tosquíssimo e parece coisa de contos de fadas e nem a referência ao deja-vu é eficiente porque não tem nada a ver com o que acontece de verdade. No geral, acho um filme superestimado.

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  6. Eu assisti "Marix" ontem e tinha prometido a mim mesmo que nem escreveria um comentário no meu blog, mas é impossível não fazer isso. Impressionante como não parei de pensar no filme desde o último minuto que eu o vi. Aí lembrei que você tinha escrito. Gostei de ver que entendi o filme certinho! rs

    Excelente texto Junior!!
    Abs :)

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