sábado, 17 de dezembro de 2011

Melancolia [2011]


(de Lars von Trier. Melancholia, Dinamarca, 2011) Com Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Alexander Skarsgård, Brady Corbet, Charlotte Rampling, John Hurt, Stellan Skarsgård, Kiefer Sutherland. Cotação: ****

Infelizmente, “Melancolia”, este belíssimo filme do dinamarquês Lars Von Trier, teve que ficar na berlinda no último Festival de Cannes, do qual participou concorrendo à Palma de Ouro (junto com “A Pele Que Habito”, de Almodóvar, e “A Árvore da Vida”, de Malick (este último saiu vencedor). Tudo por conta das polêmicas declarações do diretor na coletiva de imprensa do filme, onde ele diz “entender Hitler”, e, instigado pelos jornalistas, concluiu o raciocínio torto com “Ok, eu sou nazista”, sob o olhar constrangido de Kirsten Dunst. O resultado não poderia ser pior. Von Trier foi considerado persona non grata no Festival, e acabaria com todas as chances de “Melancolia” sair com o prêmio principal, mesmo com Dunst faturando o prêmio de Melhor Atriz.

Iniciado com um belíssimo prólogo, no qual vemos verdadeiras pinturas sendo lentamente movidas, “Melancolia” passa para uma de suas duas divisões, ao ambientar-se no casamento de Justine (Kirsten Dunst). A moça, mesmo que seja a grande estrela de uma caríssima recepção, se vê numa depressão quase sem fim, tendo que lidar com a irmã controladora, o cunhado ríspido, a mãe rancorosa, o pai brincalhão e por vezes ausente, e o patrão insistente. Na parte subseqüente, o longa se concentra na irmã de Justine, Claire (Charlotte Gainsbourg), que se vê desesperada com o iminente fim do mundo, com a chegada do planeta Melancolia, que pode colidir com a Terra.

Se “O Anticristo”, o filme anterior de Von Trier, carregava em si uma bagagem quase indecifrável de simbolismos, “Melancolia” já torna a leitura mais possível, por deixar mais claras suas intenções, desde o óbvio título, até a última cena, que evidencia a principal analogia entre o conceito de melancolia com um planeta que vem de encontro com a Terra. Outra característica de “Melancolia” que se desassemelha com “O Anticristo” está no fato de ser um filme com um grande casting, enquanto que no filme de 2009, Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe eram os únicos vistos na tela. Entre o elenco admirável está Charlotte Rampling, trazendo sua forte presença, e Kirsten Dunst, tendo aqui uma oportunidade única na carreira. O papel seria de Penelope Cruz, que preferiu filmar “Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas”, perdendo o prestígio, mas com certeza engordando sua conta bancária.

Eu gostei bem mais da primeira parte do filme, retratando um casamento à la “Festa de Família”, filme de 1998 do também dinamarquês Thomas Vinterberg. Com lindas passagens de trama, Trier, com sua câmera na mão (forte característica do Dogma 95, movimento que ele ajudou a estabelecer), nos traz o sofrimento interno de Justine, com o seu crônico vazio espiritual, tendo que transparecer uma felicidade mecânica que toda noiva é obrigada a ter no dia de seu casamento. A segunda parte, bem menos movimentada e voltada para o desespero de Claire, o filme passa a se tornar mais ligado ao fatalismo.

“Melancolia” está repleto de simbolismos. Muitos deles subjetivos, quase imersos no mundinho de Von Trier (vale lembrar que o diretor já revelou ter passado pela depressão durante anos, após a morte de sua mãe), outros, que saltam aos nossos olhos. Numa cena em que Justine abre diversos livros num dos muitos cômodos do castelo, onde acontece a festa de seu casamento, vemos alusões à Ophelia, pintura de 1852 do britânico John Everett Millais (1829-1896), cuja imagem mostra a personagem de Shakespeare, vestida de noiva e afogada num riacho da Dinamarca, exatamente como Kirsten Dunst se encontra no pôster principal do filme. Isso em falar na presença da pintura The Land of Cockaigne, de Pieter Bruegel, o Velho, na mesma cena em questão, e que diz muito sobre o filme, ao tratar o vazio espiritual em meio à abundância, mesmo estado em que se encontra Justine.

Com menos complexidade e mais poesia, ”Melancolia” traz Lars Von Trier mais sintomático e provocativo, e por esta razão, faz do filme uma das provas de que ele está longe de ser alguém cúmplice de Hitler. Mas, falar demais, e o pior, ser mal compreendido, resulta em um preço inestimável no mundo do cinema. Pobre homem.

3 comentários:

  1. Belíssimo filme, repleto de força e sensibilidade. Uma obra prima.

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  2. Adorei o filme e para mim é um dos melhores do ano.

    Lembro de ficar uns minutos imóvel na poltrona do cinema quando ele terminou.

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  3. O acontecimento em Cannes foi lastimável. Não que eu seja contra a piada de Lars, acho sim que a IMPRENSA arruinou o individuo. Mesmo que a piada tenha sido sem graça, não deixa de ser uma piada. Enfim, acho que Árvore da Vida mereceu de qualquer jeito o prêmio.

    Quando a Melancolia, acho o longa belíssimo. Mas gosto mais de Anticristo, acho mais complexo, mais interessante, provocativa, apesar de bem mais pretensioso também. A verdade é que não sacaram que o Lars Von Trier é um baita marketeiro e provocador, só pegar o Dogma 95, movimento que nem ele segue direito, ou sua declaração em Cannes de 2010 (se não me engano é), que ele era o melhor cineasta do mundo. Só ignorar!

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